Título: QUEDA-DE-BRAÇO NA INFLAÇÃO
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 19/07/2005, Economia, p. 21

Resistência de preços como de bens duráveis e tarifas pode levar BC a manter juros altos

Num momento de deflação e de apostas na redução da taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses, ainda há preços que resistem e podem fazer com que o Banco Central (BC) mantenha ligado o sinal amarelo da política monetária. Além das tarifas públicas, os bens duráveis pressionam a inflação devido ao alto volume de crédito na economia. Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) em 12 meses está em 7,26%, o preço de refrigeradores, por exemplo, variou 12,69%. Já o índice para máquinas de secar roupas foi de 25,08%. Serviços pessoais também têm variação elevada.

O especialista em inflação da PUC-RJ Luís Otávio Leal destaca que as vendas de bens duráveis subiram 19,3% entre janeiro e maio deste ano, enquanto o financiamento cresceu 20%. Segundo ele, esses dados são fortes indicadores da atual demanda por esses produtos no país:

- Existe uma relação bastante próxima entre crédito e aquisição de bens duráveis, pois essas compras costumam ser feitas por financiamento.

Segundo Marcos André Nitropoulos, diretor Comercial do Ponto Frio, a expansão do crédito contribuiu para a alta de 10% nas vendas de produtos da linha branca (geladeiras e máquinas de lavar) no primeiro semestre sobre igual período do ano passado:

- Chegamos a oferecer parcelamentos em até 20 vezes. E isso permite que o cliente tenha prestações menores, tornando viável a compra para mais gente.

Tesouro: vestuário sobe acima do IPCA

Já na Ambient-Air, um dos destaques foi a linha de fogão, que registrou crescimento nas vendas de 20% em junho em relação ao mesmo mês de 2004. As vendas de outros artigos também aumentaram, diz Ilana Kohn, gerente da empresa.

- Os lançamentos também atraem a clientela. No caso das geladeiras, a Brastemp lançou modelo novo, assim como a GE.

Só nos últimos seis meses, enquanto o IPCA-E ficou em 3,15%, os preços de máquinas de secar roupas subiram 17,57%; e os de refrigeradores, 8,61%. A secretária Dinéia Carvalho já percebeu a alta de preços no fogão.

- Comprei um fogão há cinco anos por R$250. Hoje, está na faixa dos R$599. O parcelamento em dez vezes ajuda, mas é preciso pesquisar antes de fechar a compra.

Os serviços pessoais, como cabeleireiro, alfaiate e cartório, também têm pressionado a inflação. Em 12 meses, o IPCA-E desse setor está em 7,58%. Mas só o item cartório está em 11,2% e alfaiate, 11,95%.

- Os serviços pessoais são os últimos a responder aos juros pois não têm concorrência externa e não são afetados pelo câmbio. E há o efeito da fidelidade do consumidor -- diz Leal.

O IPCA-E dos preços livres, onde estão os serviços pessoais, está em 5,89% em 12 meses. Mas, segundo Leal, caso fossem retirados do cálculo, o índice cairia a 5,78%. O economista destaca que a deflação registrada em diversos índices de inflação decorre, principalmente, de alimentos e combustíveis mais baratos.

- Ainda há tendência de queda na inflação, mas não generalizada. O BC ainda deve adotar um certo conservadorismo e manter a Selic em 19,75% (na reunião do Copom que termina amanhã) -- diz ele.

O economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Salomão Quadros lembra que as tarifas públicas continuam a ser os vilãs da inflação. Em seis meses, segundo o IPCA-E, a energia elétrica subiu 5,66%, a telefonia celular, 5,44%, e os transportes, 7,19% - todos acima do índice geral. A inflação também sofre pressões pontuais. Um exemplo é o vestuário nos últimos 12 meses. Segundo cálculos do Tesouro Nacional, enquanto o IPCA variou 8,1%, os preços de vestuário subiram 10,3%. Em 24 meses, esse índice variou 20,2%.

- A grande surpresa é vestuário. Em outros países, ele põe preço para baixo porque tem concorrência internacional e câmbio apreciado. Mas no Brasil tem crescido mais. À medida que a inflação leva à alta de juros, ficamos preocupados - diz o secretário do Tesouro, Joaquim Levy.

Mas especialistas dizem que tal comportamento é sazonal. Para o economista da PUC-RJ Luiz Roberto Cunha, o setor não é fator de resistência para a inflação. O presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo, Heron do Carmo, concorda:

- No real, o vestuário foi um dos ativos que menos subiram preços.

O IPC-S divulgado pela FGV ontem teve inflação de 0,14% no mês encerrado no último dia 15, contra 0,06% na semana anterior. Segundo André Braz, coordenador do IPC-S, a tendência da inflação é de alta, mas sem disparada exagerada nos preços.

COLABORARAM Fabiana Ribeiro e Carlos Vasconcellos

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