Título: Lula recorre a ataque à elite
Autor: Ramona Ordoñez e Toni Marques
Fonte: O Globo, 23/07/2005, O País, p. 3

Presidente diz que está para nascer no país quem tenha coragem de lhe dar lições de ética

Em meio à pior crise de seu governo, com acusações de corrupção contra petistas e aliados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem no Rio que está para nascer no país alguém que tenha condições de discutir ética e moral com ele. Em discurso inflamado durante a solenidade de posse do novo presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), Lula afirmou que, apesar dos que torcem contra seu governo, o país vai continuar na rota do crescimento. E desafiou, sem citar nomes, os que o criticam.

- Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade. Neste país está para nascer alguém que venha querer discutir ética - desafiou Lula, aplaudido por trabalhadores que participaram da solenidade.

Sem falar diretamente da crise política, Lula reclamou das elites que, segundo ele, estariam decepcionadas com o sucesso dos resultados econômicos de seu governo. Ainda referindo-se à moral e à ética, Lula disse que seus pais eram analfabetos, mas que o único grande legado que deixaram para a família foi a de poder andar sempre de cabeça erguida.

- Conquistei o direito de andar de cabeça erguida neste país com muito sacrifício. E não vai ser a elite brasileira que vai me fazer baixar a cabeça - disse o presidente.

Serenidade para apurar todas as denúncias

Em discurso de improviso, após exaltar as qualidades tando do ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra como de seu sucessor, Sérgio Gabrielli, o presidente acabou falando por boa parte do tempo do momento político que o país está atravessando.

Lula disse ter a exata noção do que está acontecendo no país nos últimos dias e destacou que é preciso ter serenidade para não deixar que denúncias fiquem sem apuração. Segundo ele, a Polícia Federal, nos 30 meses de seu governo, prendeu muitos mais corruptos do que nos governos anteriores nos últimos 20 anos.

- Isso não quer dizer que a corrupção aumentou, mas sim que aumentou a ação da polícia e do Ministério Público. E tem que ser assim e vai ser assim para que homens, mulheres e crianças sintam orgulho do país que estão construindo - disse o presidente.

Lula reclamou que o Brasil é o único país do mundo onde, quando um governante é eleito, aparecem pessoas que torcem para não dar certo. Afirmou que o debate político não vai interromper o ritmo de crescimento e aproveitou para destacar alguns resultados positivos na economia, citando que serão destinados R$9 bilhões para a safra 2005/06, contra a média do governo anterior de R$2 bilhões.

Mais cedo, na cerimônia de inauguração da nova fábrica de medicamentos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Lula defendera as CPIs e dissera que o debate no Congresso é legítimo.

- Penso que é preciso a gente fazer uma espécie de divisor. O debate no Congresso é a coisa mais legítima do fortalecimento da democracia brasileira, mas tenho dito que o nosso lema é deixar os debates acontecerem, e o papel do governo, meus caros ministros, é trabalhar, trabalhar e trabalhar - disse Lula. - Porque o que o povo quer mesmo é resultado, o que ele quer mesmo é saber se, no frigir dos ovos, a sua vida vai estar melhor do que quando nós entramos no governo.

Ao afirmar que não pode ser contra qualquer CPI, Lula disse que culpados terão de ser punidos, mas jogou sobre as investigações do Congresso um rótulo de debate menor. A pequenez dos debates, disse o presidente, nem sempre conduz o povo a um futuro melhor.

- Tenho dito repetidas vezes: sempre fui defensor, gritei tantas vezes favoravelmente à criação de CPIs, que não posso ser contra nenhuma CPI. As CPIs têm que funcionar, têm que apurar e têm que fazer o que tem que ser feito. As pessoas que cometerem erros terão que ser punidas. Este país tem lei, tem instituição. O que não podemos perder de vista é que nenhum embate político, por mais necessário que seja, e por mais significativo que seja, pode permitir que o povo brasileiro seja vítima, muitas vezes, da pequenez política, da pequenez dos debates, que nem sempre conduzem este povo a um futuro melhor.

Lula também atacou, sem dar nomes, o governo de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, e criticou veladamente a desvalorização do real em 1999. Afirmou que seu governo já levou à criação de 3.135.000 novos empregos de carteira assinada, uma média mensal de 104 mil vagas, contra oito mil empregos de média mensal nos oito anos da administração anterior.

O presidente encerrou seu discurso citando Carlos Drummond de Andrade:

- Por isso, eu queria dizer a todos vocês da Fiocruz, terminar isso com uma frase que estava no discurso do Miguel Arraes, quando ele tomou posse pela primeira vez na cidade de Recife, que me parece que é do Carlos Drummond de Andrade, quando ele dizia: "Eu tenho duas mãos e o sentimento do mundo". E eu quero só dizer para vocês: dirijam esta instituição com as duas mãos e com o sentimento do mundo, porque o povo precisa de uma instituição como a Fiocruz.

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Entre protestose aplausos

No almoço, feijão com arroz

A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Refinaria Duque de Caxias (Reduc) foi marcada pelas manifestação de apoio ao presidente da parte dos trabalhadores e das autoridades presentes. Do lado de fora, porém, houve um rápido protesto. Lula foi muito aplaudido pelos funcionários da Petrobras diversas vezes. Um grupo de petroleiros o presenteou com uma camiseta e dois bonés. Pouco depois de chegar à Reduc, Lula almoçou com diversos empregados no refeitório. Comeu feijão, arroz, uma rodela de tomate e um pedaço de frango à milanesa.

O ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra, em seu discurso, disse que Lula pode contar com ele.

- Presidente, conte comigo para o que der e vier. Sou um militante do PT com muito orgulho e estou junto com o senhor para enfrentar tudo aquilo que vier pela frente - disse Dutra.

Representantes sindicais a favor e contra o governo participaram da visita do presidente à Reduc. Do lado de dentro, duas comissões de trabalhadores pediam a intervenção do governo para impedir o fechamento das refinarias de Manguinhos e Ipiranga e a aceleração dos processos de anistia dos servidores demitidos pelo governo Collor. Do lado de fora, cerca de 40 sindicalistas da nova central de trabalhadores, o recém-criado Fórum Sindical do Trabalhador, ligado ao PDT, protestavam contra o presidente, contra a política econômica e contra as denúncias de corrupção envolvendo o governo, parlamentares do Congresso e o PT.

Legenda da foto: LULA COM operários na Reduc: "Não vai ser a elite brasileira que vai me fazer baixar a cabeça"