Título: Bolas brancas, bolas pretas e Ibrahim Sued
Autor:
Fonte: O Globo, 27/07/2005, O País, p. 14

Ao longo de 40 anos, colunista deu grandes furos, consagrou expressões e gerou polêmicas

Colunas sociais foram durante muito tempo vistas como espaço para futilidades sobre os ricos. Mas, a partir de 1954, a seção Reportagem Social de Ibrahim Sued, no GLOBO, estabeleceu bases para um novo colunismo

Convencido, dono de posições políticas controversas e com pouca intimidade com a gramática, calcanhar-de-aquiles que seus detratores atacavam sem trégua, Ibrahim Sued tinha tudo para não dar certo na imprensa. No entanto, o Turco, como era chamado pelos amigos, fez mais do que construir uma longa carreira de repórter. Com ele, o colunismo social no país deixou de ser vitrine apenas da vida fácil dos bem-nascidos para se tornar espaço nobre de informação.

Em 18 de agosto de 1954, O GLOBO destacava a estréia da Reportagem Social de Ibrahim Sued: "Se os cronistas limitavam-se até hoje a descrever os ambientes que freqüentavam, os vestidos, os menus dos jantares, Sued prefere ser um ativo e bem informado repórter, colhendo na sociedade material interessante, não só para os que a freqüentam, como para o público em geral". Foi o início de uma relação que só se terminaria com a morte do colunista, em outubro de 1995.

Aprendizes seus, como Elio Gaspari, apontam Ibrahim como o pai do novo colunismo social brasileiro. Suas colunas no GLOBO foram espaço de grandes furos jornalísticos, de exposição de suas posições políticas e de criação de expressões que até hoje circulam no vocabulário dos brasileiros. Numa coluna dos anos 70, Ibrahim, contestando uma reportagem a seu respeito, traçou o seu autoperfil profissional, seguindo o provérbio árabe que adotou como lema e popularizou no país: "Os cães ladram e a caravana passa".

EM JORNALISMO NÃO SE BRINCA COM COISAS SÉRIAS - 1) Vocês podem não acreditar, mas não é tão fácil a vida de um repórter-colunista: se você dá uma informação pura e simples, sem opinião, antecipando a demissão de um cartola qualquer de um cargo público, e dias depois a notícia se confirma, mesmo que você tenha durante anos registrado uma boa cobertura para o próprio, o demitido começa logo a comentar: "O Ibrahim não gosta de mim"... 2) Querem outro exemplo? Quando o meu saudoso amigo o ex-presidente Costa e Silva foi acometido daquele derrame fatal e havia uma crise político-militar, eu na televisão revelei a verdade, informando que lamentavelmente Seu Arthur estava impossibilitado de exercer o cargo e que seu substituto, o general Médici, não assumiria para um mandato-tampão, mas seria eleito para um mandato integral. Era um grande furo, mas nessa noite no Laranjeiras houve pessoas que disseram: "Vamos prender o Ibrahim..." 3) Outro dia, dois repórteres passaram a noite comigo, drincando. Uma noite só! Eu gostei da cara deles e resolvi ser franco e sincero. Resultado: eles disseram que na minha mocidade meu ídolo era Prestes. Nada disso: eu declarei que na Constituinte admirei a oratória de Prestes e sua capacidade de defender suas idéias sem terrorismo, ao contrário de Marighela. Eu sempre tive ojeriza ao comunismo. 4) A mesma reportagem afirma que eu falo errado na televisão. Ora, se eu falasse errado, estaria fazendo programa de humor e não um informativo sério, com liderança absoluta de audiência. 5) Tropeço mesmo, concordo que eu tropeço, mas isso é muito diferente de falar errado. Escreveram que a minha voz é feia. Até aí eu respeito: mas a maioria das telespectadoras considera minha voz, que é rouca, muito sexy, tipo Charles Boyer, que foi um ídolo de cinema por causa de sua voz rouca... De leve... No meu programa a vedete é a notícia. Nunca fiquei no muro. É só ver a coleção...

www.oglobo.com.br/especiais/80anos/

Glossário

BOLA BRANCA: exclamação de agrado.

BOLA PRETA: exclamação de desagrado.

BONECAS: mulheres bonitas.

CAFÉ SOCIETY: referência à alta sociedade.

CONTRABANDO: amante.

DE LEVE: ir com calma (advertência).

DESLUMBRADAS: novas-ricas que querem aparecer.

GELADEIRA (FICAR NA): não ser citado por Ibrahim.

GENTE-BEM: pessoas chiques, ricas e bem-educadas.

MARACUJÁ DE GAVETA: mulher velha, muito enrugada.

NIVER: aniversário.

PADRES DE PASSEATA: religiosos que participavam da luta contra a ditadura nos anos 70.

PÃO-COM-COCADA: termo criado para designar a juventude carioca.

REBU: confusão.

SHANGAY: cafona, de mau gosto.

SORRY, PERIFERIA: confirmação de um furo (expressão usada para alfinetar a concorrência).

SU: Sucesso.

Parque gráfico é o maior da América Latina

Nos três primeiros anos de existência, O GLOBO era rodado em uma máquina alugada por dez contos mensais

Não são poucos os que, quando vêem o prédio do GLOBO na Rodovia Washington Luiz, pensam que todo o jornal funciona ali. O tamanho das instalações impressiona, mas ele é endereço apenas do setor de impressão do GLOBO e do "Extra", com capacidade de rodar até dois milhões de jornais num dia. O prédio, inaugurado em 12 de janeiro de 1999, abriga o maior complexo gráfico da América Latina. E é o capítulo mais ambicioso de uma história que começou com uma impressora alugada.

Em sua primeira sede, na Rua Bettencourt da Silva, no Centro, O GLOBO começou a ser rodado em 29 de julho de 1925 numa máquina francesa Marinoni, que pertencera ao Exército inglês. O jornal pagou dez contos mensais durante três anos até finalmente comprá-la. Outras duas máquinas se juntaram a ela, e as três ficaram em atividade até outubro de 1954, quando O GLOBO inaugurou a atual sede, na Rua Irineu Marinho 35.

O edifício da Cidade Nova permitiu que a redação e o parque gráfico fossem ampliados. Na nova sede, estreou a rotativa Hoe Streamline Superproduction, a mais moderna do mundo na época. Ela trouxe mais agilidade de impressão e melhorou a qualidade do jornal. Mas ainda se trabalhava com o sistema letterpress, ou seja, de impressão a chumbo. Cada chapa de impressão em alto-relevo pesava em torno de 12kg.

Nos anos 70, ocorreu outra mudança importante. A poucos metros da sede do jornal, na Rua Marquês de Pombal, O GLOBO construiu um novo prédio para acomodar uma máquina importada dos Estados Unidos: a Goss Metroliner Rockwell. Com a rotativa de 64 metros de comprimento, O GLOBO trocou a impressão a chumbo pelo offset. Embora já estivesse sendo testada há algum tempo, foi no dia 13 de abril de 1978 que O GLOBO passou a ser impresso totalmente com o novo sistema.

Novo parque gráfico custou US$180 milhões

Catorze anos depois, em 92, entrou em funcionamento a Colorliner, também da Rockwell Goss, capaz de imprimir 80 mil cadernos de até 72 páginas por hora. Além disso, oferecia controle computadorizado das cores. A rotativa ocupava três mil dos 13,5 mil metros quadrados do prédio da Marquês de Pombal.

No caderno especial sobre a entrada em trabalho da Colorliner, o jornalista Roberto Marinho justificou o novo investimento: "Mantendo-se atualizado com as mais relevantes inovações tecnológicas na impressão industrial, O GLOBO não está apenas cuidando da qualidade material de um produto, mas também zelando pela qualidade do serviço que presta ao seu leitor; está trabalhando para levar a informação correta de cada dia ao maior número possível de pessoas, no menor tempo possível, da forma mais atraente e eficaz possível".

Sete anos depois, a Colorliner foi aposentada. O GLOBO e o "Extra" (criado em 1998) passaram a ser impressos na Rio-Petrópolis. Resultado de um investimento de US$180 milhões num terreno de 175 mil metros quadrados, o complexo gráfico, com três rotativas Geoman, pode imprimir 800 mil exemplares do jornal nos dias úteis e dois milhões aos domingos. E permitiu um aumento de 200% no número de páginas coloridas.

AMANHÃ: Os leitores que fazem parte da história do jornal

Legenda da foto: ATÉ DOIS milhões de jornais diários podem ser rodados no parque gráfico