Título: ADVOGADOS NO CRIME
Autor: Fábio Vasconcellos
Fonte: O Globo, 31/07/2005, Rio, p. 18

OAB-RJ analisa hoje dois mil processos sobre desvios de conduta

Pela Constituição, eles deveriam agir somente nos limites da lei, mas advogados continuam se envolvendo em casos de desvio de conduta, alguns até com participação no tráfico de drogas. A seção Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) analisa atualmente cerca de dois mil processos sobre profissionais que são acusados de desrespeitar o código de ética da entidade. Nos últimos dois anos, 42 advogados foram expulsos, 13 dos quais por ligações com o crime organizado. Investigações da Polícia Civil, contudo, mostram que a OAB poderá ter ainda mais trabalho pela frente.

Uma escuta telefônica feita em agosto pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), com autorização da Justiça, flagrou um advogado recolhendo dinheiro da venda de drogas a mando de bandidos do Complexo da Maré. Joel Lisboa dos Santos Filho, de 46 anos, também é suspeito de emprestar o telefone para traficantes organizarem a distribuição das drogas. Além de associação para o tráfico, Joel ¿ que teve a prisão decretada e está foragido ¿ tem outras quatro anotações na polícia por falsificação de documento e apropriação indébita.

Os desvios de conduta são sempre uma dor de cabeça para a OAB. Em 2003, chegaram à entidade cerca de três mil denúncias contra advogados. Desse total, 40% foram considerados procedentes. Esse percentual se repetiu ano passado, quando houve 2.179 registros. Para alguns advogados, o resultado da apuração tem sido a punição. Nos últimos dois anos, 1.577 profissionais foram suspensos e outros 300 receberam censura (punição que, se repetida, transforma-se em suspensão). Os tipos de desvios são os mais variados: vão desde o desrespeito a colegas até a apropriação de dinheiro de clientes, além da tentativa de aliciar pessoas que eram defendidas por outros advogados, chegando à participação no crime organizado.

Embora considere pequeno o envolvimento de advogados com o tráfico, a OAB tem procurado fazer campanhas sobre a importância do cumprimento do código de ética da profissão. Outra medida é cobrar nas provas mais conhecimento sobre ética. As campanhas, no entanto, não têm evitado que universitários, ainda sem a carteira da OAB, sejam flagrados em crimes.

Um estudante de direito está sendo procurado pela polícia, acusado de fazer parte de uma quadrilha especializada em assaltos a residências. Há cerca de duas semanas, o recém-formado em direito Bruno Marini, de 25 anos, foi detido junto com uma quadrilha acusada de tráfico de drogas pela internet. Numa interceptação telefônica feita pela polícia, Marini foi flagrado fraudando a prova da OAB. O pai do jovem, o advogado Fernando Mendes, que também apareceu na gravação, já foi notificado pela OAB e terá que se explicar.

Para o presidente da OAB-RJ, Octávio Gomes, os advogados envolvidos com crimes e desvios de conduta têm má-formação de caráter e isso não estaria restrito aos profissionais do direito. Gomes diz que a ouvidoria da ordem (2272- 2002) recebe diariamente vários tipos de denúncias, mas muitas também não se confirmam.

¿ Somos implacáveis e, se for o caso, cortamos na própria carne. Essas pessoas têm sérios desvios de caráter, mas não acredito que seja devido à profissão que exercem. O mais importante para um advogado é jamais confundir a defesa processual com as atitudes ilícitas dos seus clientes. Quando se misturam esses dois campos, ocorre um grave problema ético ¿ analisa Gomes.

O titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), Rodrigo Oliveira, responsável pela investigação que flagrou Joel Lisboa negociando com bandidos, diz que há hoje dois tipos de advogados que mantêm ligações com o tráfico de drogas. Os primeiros são os que atuam defendendo traficantes de facções criminosas instaladas nas favelas. De acordo com o delegado, alguns desses advogados acabam se envolvendo em ações ilícitas. O segundo grupo seria formado por estudantes de direito e advogados recém-formados que não têm clientes. Eles saem das faculdades e entram para quadrilhas que vendem drogas fora dos morros.

¿ Os advogados começam defendendo os bandidos da favela. Eles fazem muitas promessas aos bandidos, mas não conseguem cumprir. Diante disso, passam a ter que fazer favores para as quadrilhas, transformando-se em mais um traficante. Os outros advogados que atuam fora dos morros entram para o crime por escolha própria ¿ diz o delegado.

As investigações que flagraram o advogado Joel Lisboa dos Santos Filho em conversas com traficantes começaram em 2003. Há quatro meses, a DRE pediu o indiciamento de 22 acusados, entre eles Marcus Santana da Silva, que seria um dos chefes do tráfico na Maré. Ele e outros 13 bandidos ainda continuam foragidos. A primeira gravação ocorreu em 16 de agosto passado, por volta das 20h45m.

O advogado conversou com um traficante e aceitou recolher o dinheiro da venda de drogas numa localidade conhecida como Barbante. Em outro trecho da gravação, Joel cobra de um traficante o dinheiro que tinha sido emprestado a um outro bandido:

¿ Tá tranqüilo. Escuta só. Eu tenho que apanhar aí o do Babinho (traficante), R$300. Eu emprestei a ele, quer dizer, dei a ele na visita, que ele tava sem dinheiro lá (na favela) ¿ disse Joel.