Título: O risco das ilusões
Autor: Rachel Bertol
Fonte: O Globo, 06/08/2005, Prosa & Verso, p. 1

Os acontecimentos recentes no cenário político brasileiro provocaram em parte da população brasileira um sentimento de perplexidade e de desamparo, só comparável ao que sentimos em alguns momentos do passado quando a ordem institucional esteve ameaçada ou os destinos do país seriamente comprometidos. Em que pese a gravidade da situação, as instituições democráticas parecem resistir ao impacto das denúncias e à revelação do comprometimento de personagens importantes da vida política nacional. Essa prova inicial de maturidade de nossas instituições não é capaz, no entanto, de apagar a dúvida quanto à capacidade de nosso sistema político de resistir a um abalo de grandes proporções.

Nesse contexto é normal esperar que os intelectuais forneçam análises capazes de esclarecer o sentido da crise, ou suas conseqüências mais graves para a vida nacional. Em alguma medida isso tem sido feito. Mas ao voltarmos os olhos para a intelligentsia desejosos de encontrar um oráculo para o tempo presente, corremos o risco de confundir nossas expectativas com o papel que efetivamente cabe aos intelectuais. A rapidez dos meios de comunicação cria a ilusão de que a aceleração da vida cotidiana exige o emprego de fórmulas prontas que dêem conta da velocidade com a qual os fatos se acumulam diante dos cidadãos transformados em espectadores de um "show que não pode parar". Ora, o tempo da reflexão é de outra natureza do que o produzido pelo bombardeio de imagens e fatos. O trabalho intelectual exige o alongamento das análises em direção ao passado, em busca das raízes das crises, e do prolongamento em direção ao futuro, na tentativa de compreender as conseqüências possíveis das alterações profundas que vão se processando no cenário político. Se aceitarem abandonar a temporalidade própria ao trabalho da razão, os intelectuais talvez escapem das críticas que qualificam de silêncio temeroso a reação cautelosa aos acontecimentos. Ao fazê-lo, no entanto, deixam de cumprir um papel para o qual são qualificados, para ficar cada vez mais parecidos com os profetas de ocasião e os moralistas de última hora, que pululam na vida pública em momentos de crise.

NEWTON BIGNOTTO é doutor em filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales e professor de filosofia da UFMG