Título: Empresário denunciou propina em Furnas
Autor: Chico Otavio, Elenilce Bottari e Rodrigo Lopes
Fonte: O Globo, 07/08/2005, O País, p. 12

Representante da JP Engenharia acusou Dimas Toledo de tentar extorquir R$5 milhões; ele reage: `É mentira deslavada¿

Em depoimento à Procuradoria da República no Rio de Janeiro, um empresário acusou o diretor de Engenharia licenciado de Furnas Dimas Fabiano Toledo de ter cobrado R$5 milhões da empresa JP Engenharia para manter o contrato destinado a ampliar a capacidade de geração da Usina Termelétrica de Campos, no Norte Fluminense. O depoimento foi feito ao procurador Edson Abdon, responsável pelo inquérito civil público aberto com base nas denúncias do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ). O empresário Nilton Monteiro, representante da JP Engenharia, afirmou ainda que a empresa chegou a pagar R$900 mil a Dimas Toledo, como parte da propina. O contrato com a estatal foi suspenso em 2003.

O compromisso com a JP Engenharia que teria motivado a tentativa de extorsão foi celebrado em novembro de 2001, para a implantação de ciclo combinado na usina termelétrica de Campos, composto por três turbogeradores, na termelétrica do Norte Fluminense. A entrada em operação da primeira unidade seria em novembro de 2002, mas a usina não chegou a ser feita. Na condição de produtora independente de energia elétrica, a empresa tinha a garantia de que Furnas compraria a energia produzida pelo ciclo combinado durante 12 anos, num negócio de quase R$400 milhões.

MPF confirmou depoimento

Nilton Monteiro contou que no início Dimas cobrou uma colaboração de R$1,5 milhão para a efetivação do negócio. A empresa, afirmou, teria pagado parte do dinheiro, suspendendo o restante depois. Dimas então teria determinado a suspensão do contrato. Nilton disse que chegou a tentar uma negociação com o então diretor, mas este subiu a cobrança para R$5 milhões. O empresário informou que entregou à Procuradoria da República documentos que, segundo ele, comprovariam a extorsão. O mais significativo seria uma nota fiscal fria, destinada a justificar o pagamento da primeira parte da propina, no valor de R$900 mil.

Ao saber da acusação feita pelo empresário, Dimas reagiu:

¿ É uma mentira deslavada. Ele é que apresente os documentos. Vou me manifestar somente depois de conhecer o depoimento ¿ afirmou o diretor, que se manifestou por intermédio de um amigo.

O procurador da República Edson Abdon confirmou na última quinta-feira que a testemunha teria prestado depoimento mas recusou-se a falar sobre o teor, alegando sigilo de Justiça. Nilton Monteiro é um consultor de empresas. Ele prestava consultoria à JP, defendendo os interesses da empresa junto a Furnas, como consta da procuração assinada por Reinaldo Conrad, que se apresenta como diretor-presidente da JP, em 4 de fevereiro de 2004.

Planalto teria sido informado

Monteiro contou que, na ocasião, decidiu denunciar a tentativa de extorsão ao petista Wagner Benevides, identificado por ele como chefe do escritório de Furnas em Belo Horizonte. Segundo o empresário, Wagner, revoltado, teria levado o fato à Presidência da República. O Planalto teria pedido o afastamento do diretor, mas este teria recorrido ao deputado Roberto Jefferson, que buscou uma composição para manter Dimas no cargo.

Vagner Benevides, superintendente da Secretaria Nacional da Pesca em Minas Gerais e fundador do PT, tentou negar o encontro com o petista, mas depois confirmou que esteve com Nilton Monteiro, negando, porém, que tivesse levado o fato ao presidente Lula.

¿ Conversamos durante um chope, na presença de um grupo de pessoas. Ele pode ter contado alguma coisa, mas não considerei porque não tinha qualquer relação com Furnas ¿ disse Benevides.

A nota fiscal, supostamente usada para o pagamento da primeira parcela da propina, pertence à Compobrás, empresa de consultoria contratada pela JP para ajudar na captação de recursos. No documento, consta que a JP pagou o valor à empresa por ¿serviços de consultoria¿. Porém, a Compobrás nunca funcionou no endereço que consta da nota fiscal entregue pelo autor da denúncia ao Ministério Público Federal (Avenida Nicolau Ferreira de Sousa 913, Vila Nova, Araçaringuama, município paulista a 50 quilômetros da capital). De acordo com o proprietário da loja, onde hoje funciona a empresa de paisagismo Verde Solo, a Compobrás chegou a alugar o imóvel, em 2002, mas nunca o ocupou ou pagou as aluguel. Também na prefeitura, a empresa nunca recolheu as taxas de funcionamento.

Furnas: JP não cumpriu contrato

Em nota oficial, Furnas explicou que, de acordo com o contrato de parceria, cabia à JP Engenharia o aporte de todos os recursos necessários à modernização da usina, enquanto o compromisso de Furnas seria a compra de parcela de energia necessária à amortização do investimento feito pela empresa parceira. ¿Essa energia seria posteriormente comercializada por Furnas, tudo nos moldes das diretrizes governamentais¿, informou.

O contrato foi cancelado em março de 2003, alega a estatal, porque a JP Engenharia deixou de cumprir com suas obrigações atinentes à parceria, ou seja, ¿não aportou os necessários recursos financeiros ao desenvolvimento do empreendimento, comprometendo o cronograma da obra aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e previsto no ajuste, o que tornou totalmente inviável o cumprimento dos compromissos assumidos com Furnas¿. A suspensão, diz a nota, foi decidida pelo Conselho de Administração de Furnas ¿sem sequer ter sido iniciada a obra e tão pouco feito qualquer pagamento à JP Engenharia¿.

O cancelamento ocorreu menos de dois anos após a assinatura do contrato e surpreendeu a JP no momento em que a empresa tentava captar os recursos necessários à obra. A empresa alega que os agentes financeiros exigiam a apresentação do relatório de impacto ambiental (Rima), responsabilidade de Furnas, sem o qual não liberariam os recursos pleiteados. Furnas afirma que a retomada do projeto será feita em consonância com o cenário energético do país, dependendo das circunstancias da demanda da energia.

Dimas, ligado a tucanos mineiros, é funcionário de Furnas há 35 anos de Furnas. Foi acusado por adversários em Minas de mobilizar recursos da estatal para eleger o seu filho, Dimas Fabiano, deputado estadual pelo PP nas eleições de 2002. Ele elegeu-se em parte graças a programas sociais da estatal em Varginha e arredores. Foi o terceiro mais votado.