Título: Para Tarso, pronunciamento foi insuficiente
Autor: Toni Marques e Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 13/08/2005, O País, p. 8

Berzoini anuncia rescisão do contrato do partido com Duda Mendonça e diz que dívidas de caixa dois não serão pagas

RIO e SÃO PAULO. O presidente do PT, Tarso Genro, disse que o pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi insuficente para encerrar o debate sobre a crise. Mesmo afirmando que o discurso de lula foi excelente, Tarso disse que ele é o início de um diálogo com a sociedade e deverá ser respaldado por ações do governo. Afirmou ainda que mais pronunciamentos deverão ser feitos.

- Foi um excelente pronunciamento, mas que foi um ponto de partida - disse ele, em entrevista na Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Rio de Janeiro. - Se for tratado como um comunicado que encerra o assunto, evidentemente que é insuficiente. Mas não é um pronunciamento que encerra o assunto. Ele inicia um diálogo social e político, e certamente (o presidente) apresentará medidas à sociedade para dar sustentação às importantes declarações que ele deu no dia de hoje (ontem). O presidente vai falar mais tarde, em outras oportunidades e vai apresentar ações do governo no sentido de debelar a crise.

Tarso se reuniu com a Executiva Regional do PT fluminense, no diretório regional do partido, onde assistiu à fala de Lula. Ele anunciou que o partido se mobilizará para defender o mandato do presidente e, ao mesmo tempo, reconstruir o PT.

- O presidente Lula pediu desculpas à nação. A sua palavra é uma palavra que tem um valor extraordinário, ele é o fundador do nosso partido. Ele foi enganado por pessoas que o acompanharam por uma certa parte de sua vida. O presidente está alerta e sabemos que não é hora de renunciar a mandatos.

Tarso disse que, que se não achasse que Lula é inocente, apoiaria o impeachment:

- Eu acredito que o presidente não soubesse (do esquema de arrecadação ilegal). Se eu acreditasse que ele sabia, apoiaria o impeachment do presidente - afirmou.

Dívida de 2005 é de R$ 300 mil

O secretário-geral do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), disse que o partido vai rescindir o contrato que ainda tem com o publicitário Duda Mendonça e não reconhece qualquer dívida feita de maneira ilegal ou informal, do caixa dois organizado pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares.

- Com esta postura do publicitário, evidentemente não há motivação para o partido continuar mantendo relações de contratação com o senhor Duda. O contrato do ponto de vista político está rescindido. Vamos analisar do ponto de vista jurídico como fazê-lo.

Segundo ele, o PT não vai levar em consideração os valores cobrados por Duda, que afirmou que o partido ainda lhe deve ainda R$14,5 milhões de uma dívida não contabilizada.

- Não reconhecemos nenhum tipo de relação não-formalizada porque o PT parte do princípio básico de que relações administrativas e financeiras no nosso país e em qualquer lugar do mundo devem se dar através de contrato e de contabilidade formal - disse Berzoini.

Segundo o deputado, o PT nacional assinou um contrato com Duda em junho de 2002 no valor mínimo de R$5 milhões. Devido ao segundo turno e a gastos não previstos, o partido pagou em 12 parcelas R$7,085 milhões, registrados na Justiça eleitoral.

Além disso, o PT assinou outros contratos de R$4,4 milhões com a agência CEP Comunicação e Estratégia Política Ltda (braço político das empresas de Duda) para realização das campanhas institucionais entre 2001 e 2005. De acordo com Berzoini, apenas R$300 mil referentes a 2005 ainda não foram pagos.

O DISCURSO POSSÍVEL

RENATO LESSA, cientista político do Iuperj: "Foi o discurso possível, do tamanho da capacidade de intervenção política do presidente. É o que ele está disposto a dizer. Foi no espírito de que o governo deve continuar normalmente, mas introduziu a desculpa, o que é uma novidade no discurso. Ainda que tenha sido breve, rápida, no final do pronunciamento, indica sinal verde ao processo de regeneração interna do PT, apoio ao projeto do Tarso Genro de faxina no partido. Mesmo sem dar os nomes de quem deve sair do PT, mostra que essas pessoas poderão vir a ser isoladas e autoriza a reforma interna do partido. Porém, essa reforma deve favorecer os grupos mais à esquerda do partido, que não estão comprometidos com a gestão do Campo Majoritário. Como favorecer esses grupos e manter as diretrizes do projeto de governo? Ou seja, há mais confusão à vista. É difícil dizer o que faltou no discurso. Idealmente, posso dizer que o pedido de desculpas poderia ser mais enfático."

FERNANDO ABRÚCIO, cientista político da FGV-SP: "Lula deu o primeiro passo para explicar o que está acontecendo, mas vai precisar falar uma ou duas vezes mais. Não foi completamente satisfatório, mas creio que, mais do que falar, o presidente precisa começar a agir. Agora ele se pôs dentro da crise. O que foi bom no discurso, além de mostrar que ele saiu da inércia, foi ter pedido desculpas, embora o pedido tenha sido tímido. Lula tem que forçar o partido a condenar mais rapidamente os envolvidos no escândalo. Enquanto José Dirceu não sair de cena a crise não vai sair do colo de Lula. E faltou compartilhar responsabilidade, além da culpa: chamar representantes do Congresso e da sociedade para decidir uma agenda mínima com o governo. É preciso governar. É hora de trabalhar, até meia-noite, uma, duas da manhã. Trabalhar muito."

PAULO KRAMER, cientista político da UNB: "Não foi um discurso satisfatório, porque o Lula insistiu em dizer que eram coisas alheias a seu conhecimento. Isso é difícil de acreditar. A parte boa é que ele estava devendo esse pedido de desculpas desde o início da crise, que ele insistiu em ignorar. Ao contrário, partiu para cima do palanque. É verdade que só desculpa não resolve a crise, mas pode ser um sinal de que ele vai descer do palanque, voltar para o palácio e governar. Se fizer isso, conseguirá terminar o mandato. O lado ruim é o novo adiamento do desfecho negativo, quando ele finalmente admitirá que sabia. Lula hoje está na mão da boa vontade das forças políticas, da oposição, que não quer impeachment. O importante agora é o que ele vai fazer após o discurso. Se vai manter a arrogância palanqueira ou se vai se recolher ao palácio, procurando da dignidade à etapa final do seu governo."