Título: Fraude com R$1,5 bi em CDBs
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 21/08/2005, Economia, p. 25

Arrieta e banco se envolvem em operação que traz prejuízo de R$59 milhões ao Fisco

Um banco de investimentos e uma empresa ligada ao fraudador argentino Cezar Arrieta estão envolvidos num golpe de R$59 milhões em sonegação de impostos sobre aplicações financeiras. A Receita Federal, em parceria com a Procuradoria da República e a Polícia Federal, descobriu que os dois resgataram o rendimento de mais de R$1,5 bilhão em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) sem recolher o Imposto de Renda (IR). Para se apropriar do dinheiro do Fisco, tentaram quitar o IR com créditos frios de Imposto sobre Importação.

O golpe, aplicado no ano passado, envolveu a firma gaúcha Vale Couros Trading e o banco carioca Modal. A empresa comprou, entre 2003 e 2004, a titularidade de CDBs de 22 investidores (18 pessoas jurídicas e quatro pessoas físicas), enquanto o banco assumiu a custódia dos papéis, originalmente emitidos por várias instituições financeiras. O objetivo era usar os créditos frios para assegurar um lucro muito acima do rendimento prefixado, uma vez que o IR ¿ cujas alíquotas variam de 15% a 22,5% da rentabilidade, dependendo do prazo do CDB ¿ seria coberto com créditos ilegítimos. Mas as operações foram descobertas e a Receita agora tenta recuperar os impostos sonegados.

Receita multa banco em R$170 milhões

Segundo fontes da força-tarefa que investiga o caso, a engenharia do golpe foi montada pelo Modal, que procurou os investidores originais para propor o negócio. Eles transfeririam a titularidade e, em troca, receberiam um prêmio que elevaria os seus ganhos com as aplicações. Entre os aplicadores dos CDB's, destacam-se a Tele Norte Leste (dona da Telemar e da Oi), totalizando cerca de R$940 milhões; a Globex (holding do Ponto Frio), com R$253 milhões; e a Lucent Technologies do Brasil, com R$111 milhões.

Os aplicadores originais que concordaram com o negócio solicitaram a transferência de custódia dos títulos das instituições emitentes para as suas respectivas contas junto ao Modal. Em seguida, o próprio banco transferiu a titularidade do aplicador original para a conta da Vale Trading.

Para legitimar as operações, a Vale Trading apresentou ao Banco Central instrumentos particulares de cessão de direitos, assumindo a titularidade das aplicações. No momento seguinte à cessão, a Vale Trading resgatou o título no Modal, que, por sua vez, solicitava às instituições emitentes os respectivos resgates.

CDBs são títulos privados, emitidos pelos bancos para captar dinheiro para financiar cheques especiais e outras formas de crédito oferecidas aos clientes. Como o Modal assumiu a custódia dos papéis, a compensação do IR retido na fonte, sobre o rendimento das aplicações, deveria ter sido recolhido pelo banco.

Mas o recolhimento nunca ocorreu. Em vez disso, a Vale Trading requereu à Delegacia da Receita em Palmas, no Tocantins, a compensação do IR retido na fonte, equivalente a R$59 milhões, com os créditos-prêmio de Imposto sobre Importação nunca comprovados. A empresa pleiteava R$376 milhões em créditos, em ação na Justiça de Porto Alegre, mas o processo foi extinto em abril.

A tentativa foi abortada pelo trabalho dos investigadores da Operação Tango, que resultou este ano na prisão de Cesar Arrieta. A Receita multou o Modal em R$170 milhões e o caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal no Rio, sede do banco.

Empresas dizem desconhecer Arrieta

A assessoria de imprensa da Tele Norte Leste confirmou a transferência de seus papéis para a Vale Trading, mas garantiu que não sabia da ligação da empresa com o fraudador Arrieta e nem da ilegitimidade dos créditos pleiteados.

Segundo a assessoria, o negócio foi oferecido por alguns bancos, não só o Modal, e consistia na possibilidade de uma empresa que tinha CDBs ceder, em troca de um valor financeiro a título de prêmio, para empresas com créditos fiscais que podem ser utilizados em abatimento de imposto, conforme prevê a legislação.

A empresa alegou que, no momento em que cedeu, toda a obrigação fiscal foi assumida pelo novo titular dos certificados. No período de um ano, afirmou a Tele Norte Leste, foram feitas dezenas de operações. A empresa explicou também que encomendou pareceres jurídicos de escritórios renomados de advocacia que atestaram a legalidade deste tipo de operação.

A diretora administrativa e financeira do Ponto Frio, Eliane Aleixo Lustosa, também confirmou a participação da empresa no negócio, mas negou conhecer a Vale Trading.

¿ Vendemos os CDBs que estavam na nossa carteira e que tinham imposto retido para empresa exportadora. A rentabilidade era adequada. A responsabilidade pelo recolhimento passou a ser de quem o comprou. Saiu da esfera do Ponto Frio. Fizemos a operação acreditando nisso. Nossa preocupação com a legalidade é grande ¿ disse.

O Banco Modal foi procurado três vezes por telefone e uma por e-mail, entre quinta e sexta-feira, mas não quis se manifestar. Os advogados de Cezar Arrieta não foram achados e a Lucent, procurada na sexta, não retornou a ligação.

COLABOROU: Flávia Oliveira

FISCO CANCELA REGISTRO DE 845 EMPRESAS POR FRAUDE, na página 26