Título: Além de Ribeirão, seis cidades em SP têm irregularidades ligadas ao lixo
Autor: Soraya Aggege e Evandro Spinelli
Fonte: O Globo, 28/08/2005, O País, p. 4

Ministério Público e Polícia Civil têm novas pistas fornecidas por escuta telefônica

SÃO PAULO. A partir do caso do lixo de Ribeirão Preto, onde a prefeitura, na gestão do hoje ministro Antonio Palocci, teria recebido propina mensal de R$50 mil para repassar ao PT, já foram encontradas irregularidades nos contratos para coleta ou varrição de pelo menos mais seis cidades que tiveram administrações petistas. Há indícios de conexões nos supostos esquemas de superfaturamento, destinados à "caixinha" para o partido e apoios eleitorais. O Ministério Público Estadual (MPE) vai ouvir de novo o ex-assessor de Palocci Rogério Buratti para ter mais detalhes da conexão.

Grampos, mapas de pagamentos de propinas e depoimentos revelam operações escandalosas em São Paulo, Campinas, Araraquara, Franca, São Carlos e Santo André, além de Ribeirão Preto. Segundo alguns promotores, haverá mais quebra de sigilo:

- Estamos cruzando dados, fazendo reuniões com os promotores do interior e vamos convocar Buratti para tentar esclarecer pontos obscuros. Não se trata, no entanto, de uma investigação contra o PT, mas de prefeituras apontadas no caso - disse o secretário-executivo da Promotoria de Cidadania, Saad Mazloum.

"Buratti quis proteger amigos, mas chegaremos neles"

O delegado seccional de Ribeirão Preto, Benedito Valencise, está encarregado de aprofundar as investigações no foco das denúncias e repassá-las ao MPE e à Delegacia Geral de Polícia.

- Vamos devassar tudo. Pediremos prisões temporárias, ofereceremos as delações premiadas, e depois, mandaremos o material referente a outras cidades para as autoridades locais. Buratti quis proteger amigos, mas chegaremos neles - diz Valencise.

As possíveis conexões e as novas informações despertaram promotores que já atuaram em casos diversos das gestões petistas. Em Santo André, o sigilo da Rotedalli, empresa acusada de pagar propinas de lixo, deverá ser quebrado agora. O objetivo principal é investigar se o destinatário da propina seria um dirigente petista, segundo um dos promotores que atuam no caso, Roberto Wider.

- Pela Rotedalli, cuja investigação não está impedida, poderemos chegar aos nomes. Os repasses foram feitos por uma quadrilha ligada à empresa. Acreditamos que Celso Daniel concordava com o esquema, mas mudou de idéia e acabou morto por isso - disse Wider.

O prefeito de Campinas, também assassinado, não estaria envolvido em esquemas e teria sido vítima de um crime comum. A família de Toninho do PT descarta essa tese. Ele foi morto logo depois de conseguir reduzir o contrato do lixo da cidade em 30% (R$40 milhões). Após a sua morte, o PT aumentou o valor em 60%.

- Não há conexão entre as mortes, mas estamos procurando indícios de esquemas coincidentes nas duas cidades. Parte do secretariado do governo petista de Campinas teria conexão com o de Santo André - disse o promotor de Campinas Ricardo Silvares, ressalvando que não se trata ainda de ligação ou mesmo da reabertura do caso.

Além dos depoimentos de Buratti ao Ministério Público e à CPI, a Polícia Civil de São Paulo fez escutas telefônicas e apreendeu documentos. O GLOBO teve acesso a parte deles. O caso mais escandaloso é o contrato de R$10 bilhões para 20 anos de São Paulo. A Leão & Leão, da qual Buratti foi dirigente, queria ficar com a varrição, mas no acordo teria sido substituída pela Qualix, preterida na coleta do lixo. Venceram dois consórcios: o Bandeirantes 2 (Queiroz Galvão, Heleno e Fonseca e Lot) e o São Paulo Limpeza Urbana (Vega, Cavo e SPL). Os outros ficariam com as emergências e a varrição. O caso foi julgado ilegal, mas a então prefeita Marta Suplicy (PT) conseguiu liminar para manter a operação.

"O que seria uma licitação parece ter virado acordo"

Com as escutas telefônicas de Ribeirão Preto, novos fatos surgiram. Fica claro que havia um acordo entre as empresas e que pelo menos um membro da comissão de licitação, identificada como "a charuteira", faria ponte com o esquema empresarial. Outros marcavam reuniões com membros do governo.

- O que seria uma licitação parece ter virado um grande acordo em São Paulo. Em troca, o governo teria pedido apoio na campanha - diz o promotor Daniel José de Angelis, do grupo de Ribeirão Preto.

A avaliação geral dos promotores e do delegado que atuam nos casos é de que, ao contrário de outros governos, nos quais prevalece a caixinha de 10% a 20% do valor dos contratos, nos petistas os supostos esquemas são organizados por empresas e as propinas seriam repassadas a grupos organizados, interessados em mesadas ao partido ou apoios a campanhas. Até agora não foi encontrado indício de enriquecimento pessoal.

Numa das gravações, um interlocutor do governo do PT em Ribeirão Preto desabafa, explicando que não se trata de propina, mas de "um princípio". Ele explica que usa dinheiro de seu próprio bolso.

COLABOROU Evandro Spinelli, especial para O GLOBO