Título: O MERCADO DE DROGAS NA RAIZ DA VIOLÊNCIA
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Fonte: O Globo, 31/08/2005, Especial, p. 1

Para delegado, 80% de todos os crimes estão ligados ao tráfico

Dos homicídios aos assaltos em ônibus, o tráfico de drogas contribui e muito para a violência no Rio. O delegado titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, Rodrigo Oliveira, estima que cerca de 80% de todos os crimes com uso de armas que ocorrem no estado estejam ligados de alguma forma ao tráfico.

- A polícia sufoca o tráfico, os bandidos param de vender as drogas, mas precisam de dinheiro e descem para assaltar usando fuzil. Como evitar que isso aconteça, que a sociedade pague este preço, é algo a ser discutido - diz Oliveira.

Chefe do setor de investigações da Polinter, a inspetora Marina Maggessi afirma que todos os homicídios no Rio que não são passionais têm alguma ligação com o tráfico. No caso dos assaltos em ônibus, boa parte dos objetos roubados é trocada por drogas. E muitos carros roubados são usados pelos bandidos para transporte de quadrilhas, armas e drogas. Ou apenas para trocar peças por drogas.

Nas cadeias do Rio, o tráfico também está em boa parte das folhas penais. De acordo com a Vara de Execuções Penais, 27% dos 14.971 presos já condenados no estado cumprem pena por tráfico. Segundo pesquisa da Superintendência de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária, 37% dos homens que foram detidos em 2003 eram acusados de tráfico, sendo esta a segunda maior causa de prisões, só perdendo para os roubos (44%). Quanto às mulheres, 60% foram presas por tráfico.

A inspetora Marina Maggessi acredita que o atual quadro de violência nas ruas também é conseqüência da queda na venda de drogas, que teria começado após o assassinato do jornalista Tim Lopes, há três anos. Segundo ela, os bandidos das favelas da Rocinha, da Providência e da Mangueira ainda vendem bem. Mas o movimento do tráfico, que na Rocinha chegou a R$10 milhões semanais, caiu mais de 70%.

- Com a morte de Tim e as campanhas que vieram, os usuários começaram a ouvir que financiavam a violência e muitos se afastaram das comunidades, temendo também as guerras nas favelas - diz Marina.

Ecstasy e crack, as drogas mais recentes

Ainda segundo a policial, vários usuários de cocaína das classes média e alta migraram para o ecstasy, droga cara mais encontrada no asfalto. Já os consumidores das comunidades pobres passaram a usar cocaína de pior qualidade e crack.

O ecstasy e o crack entraram recentemente no Rio. Até os anos 70, a venda de drogas nos morros era restrita à maconha e protegida por revólveres. A cocaína era muito cara e vendida só no asfalto. Em 1979, com a entrada da Colômbia no negócio, a produção de cocaína explodiu e seu preço caiu, passando a ser distribuída nas favelas. Juntamente com ela, entram em cena fuzis e metralhadoras desviados de quartéis. A violência cresceu paralelamente ao consumo de cocaína e a guerra pelos pontos de venda se acirrou nos anos 90, aumentando o contrabando de armas.

Onde a lei das armas e da intimidação fala mais alto

Para sociólogo, moradores de comunidades carentes vivem em estado de sítio

Usando o poder das armas e a violência, traficantes de drogas a cada dia dominam mais a vida dos trabalhadores que moram em favelas do Rio. Eles montam barreiras nas ruas, controlam a venda de gás e o transporte nas comunidades, cobram pedágio de comerciantes e interferem no funcionamento de lojas, escolas, áreas de lazer e postos de saúde. Os bandidos ainda expandem seus domínios para o asfalto, quando comandam protestos em que vias importantes são interditadas e ônibus incendiados.

- Os moradores de favelas vivem em estado de sítio, com direitos sendo violados. E as políticas de segurança pública até agora só tiveram o objetivo de isolar a violência dentro das favelas. É preciso haver um policiamento permanente e investimento nessas comunidades - propõe o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj.

Segundo a antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do Núcleo de Pesquisa da Violência da Uerj, o domínio exercido pelas quadrilhas é um processo que levou mais de uma década.

- Primeiro, houve um domínio militar, com jovens armados vigiando tudo de forma acintosa, principalmente a partir do final da década de 80. Depois as quadrilhas passaram a influir nas eleições para associações de moradores. Pouco a pouco, os traficantes foram dominando as atividades econômicas nas favelas. Hoje, os "donos do morro" conseguem manter o controle, mesmo presos, graças ao sistema de corrupção - explica a antropóloga.

Barreiras controlam acessos a favelas

As barreiras montadas nos acessos às favelas são uma das formas mais evidentes de controle dos traficantes. Elas são feitas com entulho, trilhos ou tonéis cheios de cimento para dificultar a chegada de policiais e bandos rivais. Este mês, garis removeram duas barricadas montadas na Favela do Guarda, em Del Castilho, uma delas próxima à Linha Amarela. Em maio, policiais estiveram cinco vezes no complexo do Alemão, em Inhaúma, para retirar barreiras.

Os traficantes também controlam motos e Kombis que circulam nas favelas e agora estendem este domínio para o asfalto. A PM investiga uma "praça de pedágio" instalada por traficantes do Complexo da Maré num ponto de ônibus na Avenida Brasil, em Manguinhos. Já o monopólio sobre distribuição de gás faz as comunidades carentes pagarem 20% a mais por botijão, segundo pesquisa do Instituto de Economia da UFRJ.

"A polícia sufoca o tráfico e eles descem para assaltar de fuzil. Como evitar que isto aconteça é algo a ser discutido"

RODRIGO OLIVEIRA,

delegado titular da DRE