Título: Contra a crise, reformas e corte de gastos
Autor: Lydia Medeiros/Martha Beck/Ênio Vieira
Fonte: O Globo, 02/09/2005, O País, p. 14

Participantes de Fórum organizado por Reis Velloso dizem que crise é oportunidade para país amadurecer e fortalecer instituições

BRASÍLIA. Os participantes da edição especial do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), coordenado pelo ex-ministro Reis Velloso, analisaram a crise política e convergiram em dois pontos: as instituições devem se fortalecer cada vez mais para enfrentar as turbulências e a crise é uma oportunidade para o país amadurecer e realizar reformas.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, concentrou-se em temas econômicos, mas afirmou que o país não deve se deixar paralisar. Ao iniciar seu discurso, disse que a prudência recomendava que o ministro da Fazenda não se aventurasse no campo político:

- É essencial que o país não se deixe paralisar pela crise política. É imperativo que o debate continue. A solução da crise política só será justa e equilibrada se assentada nas instituições.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nélson Jobim, falaram sobre as relações entre os poderes, mas mostraram visões distintas sobre medidas provisórias. Renan criticou o excesso de MPs e lembrou que no Senado foi criada uma comissão para revisar os critérios de edição:

- Há muito tempo esse instrumento deixou de ser usado para tratar de matérias com verdadeira urgência.

Mas Jobim questionou a participação do Congresso nesse processo:

- Quanto de responsabilidade no processo emergente de edições de medidas provisórias decorre da incapacidade do Congresso de produzir decisões consistentes? - disse, dirigindo-se a Renan.

- Precisamos examinar também o nível de aproveitamento político dos partidos, no que diz respeito à relação com o Executivo, ao empurrar o Executivo também para edição de medidas provisórias. Ninguém faz aquilo que te desprestigia, senão forçado pelas circunstâncias.

A reforma política foi um dos pontos mais debatidos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse ser contra mudanças profundas neste momento. Para o governador, cabem apenas ajustes na lei eleitoral:

- Vivemos uma tempestade, vejo que não é hora de consertar o telhado, mas de identificar onde estão as goteiras para podemos preparar uma reforma política digna desse nome. Entendo uma temeridade fazer reforma política neste momento. Poderíamos retroceder.

Alckmin defendeu descentralização administrativa e corte de gastos públicos:

- Todo mundo sabe gastar dinheiro público. Mas só tem um para cortar gastos, o governante. Quem apaga a luz é quem paga a conta. Vivemos o tempo de amadurecermos, fortalecermos nossas instituições e nos prepararmos para esse grande mutirão do desenvolvimento com justiça social.

O presidente do BNDES, Guido Mantega, disse que a crise deve ser superada e deixar um Brasil melhor:

- Mais frustrante que a crise é ter essa frustração sem que haja avanço da organização política do país.

Para Reis Velloso, organizador do Fórum desde 1988, as autoridades estão dando lições de falta de ética ao validar a máxima de que os fins justificam os meios para se alcançar o poder. Ele considerou, no entanto, que é possível ter esperanças, mesmo que o povo esteja "desiludido e até possuído por uma certa ira sagrada":

- Se não houver reformas, logo mais novas crises virão. É preciso uma agenda alternativa para o país não ficar paralisado, quase vendo a banda das CPIs passar.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, enfatizou o trabalho do governo para fortalecer instituições e ressaltou a independência do Ministério Público.

O deputado Roberto Jefferson foi o personagem usado pelo economista Raul Velloso. Ele propôs um gatilho fiscal temporário como um mecanismo do governo para baixar a dívida pública. Ao fim de sua apresentação, perguntou quem seria o político capaz da ousadia de apertar o gatilho que implicaria corte de despesas sociais. A resposta estava no último quadro de sua apresentação projetada num telão: uma foto do deputado Roberto Jefferson simulando estar atirando, num de seus depoimentos no Congresso.

Após os risos da platéia, Raul Velloso disse que era uma brincadeira e exibiu uma segunda tela com a foto do rosto de Jefferson coberto.

Fundador diz que PT é um partido do contra

Delgado critica aglomerado de tendências

BRASÍLIA. Um dos fundadores do PT, o deputado Paulo Delgado (MG) aproveitou ontem a edição especial do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos para fazer um diagnóstico detalhado de erros e acertos do partido em seus 25 anos de História. Delgado criticou o modelo sobre o qual o PT foi montado - um aglomerado de tendências - e observou que essa estrutura, sempre em conflito interno, é incompatível com o exercício do poder:

- Somos um partido de tendências e isso revela uma imaturidade permanente.

Para o petista, foi essa guerra interna que impediu uma política de alianças pontuais, com PMDB e até PSDB, em áreas e projetos que chamou de "zonas desmilitarizadas". Ele ressaltou que, na prática, isso chegou a ocorrer em parte em 2003, quando foram votadas reformas. Segundo Delgado, o governo optou por uma base parlamentar pragmática, sem um projeto no horizonte.

- O PT inaugurou o dissenso da maioria e compete com a minoria no dissenso - analisou, referindo-se às tendências internas do PT.

Ele lembrou que desde o primeiro mês do governo Lula a luta entre essas tendências atrapalhou projetos do Executivo.

Delgado afirmou que hoje os partidos políticos vivem sua maior crise:

- Nunca todos erraram tanto ao mesmo tempo.

Para o deputado, a crise também é do presidencialismo de coalizão, que se reproduz no país desde o governo Sarney (1985-1990).

O PT, afirma o deputado, é um partido "contrista" (do contra) e fascinado com a idéia do "oposicionismo triunfante". Para Delgado, foi esse espírito que levou o partido a participar do processo de impeachment de Fernando Collor, mas a ficar fora do governo Itamar Franco:

- O contrismo nos levou a ficar contra o Real, contra a estabilidade que favorece nosso governo. (Lydia Medeiros)

O tom dos debates

"É essencial que o país não se deixe paralisar pela crise política. É imperativo que o debate continue. A solução da crise política atual só será justa e equilibrada se for assentada nas instituições"

Antonio Palocci Ministro da Fazenda

"A crise política quevivemos hoje, afora as questões que temos de resolver e compete ao Congresso saber metabolizar todos esses fenômenos, é importante que aprendamos também os defeitos decorrentes das estruturações, e não só pensarmos que discurso ético vai resolver o problema"

Nelson Jobim Presidente do STF

"Vivemos um momento que de um lado é triste e de outro é de oportunidade, de dar um salto de qualidade na vida pública brasileira. Há um risco de desalento, de achar que politica é algo sujo"

Geraldo Alckmin Governador de São Paulo

"Se não houver reformas, novas crises virão. O Brasil não pode ficar parado vendo a banda das CPIs passar"

João Paulo dos Reis Velloso Coordenador do Fórum e ex-ministro do Planejamento

"O caixa dois está subjacente a todos esses problemas. Tenho muita dúvida se a reestruturação das regras de financiamento da eleição vão funcionar se não tivermos esse embate com a lavagem de dinheiro"

Márcio Thomaz Bastos Ministro da Justiça

"O PT era o Deus curioso do Velho Testamento. Agora é o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. O PT inaugurou o dissenso da maioria e compete com a minoria no dissenso"

Paulo Delgado Deputado (PT-MG)

Legenda da foto: MÁRCIO THOMAZ Bastos (à esquerda), Reis Velloso, Nelson Jobim e Antonio Palocci durante o Fórum: análise da atual crise política e convergência na necessidade de reformas