Título: CHERNOBYL: 4 MIL AINDA VÃO MORRER
Autor: Debora Berlinck
Fonte: O Globo, 06/09/2005, O Mundo, p. 27

Estudo mostra, no entanto, que impacto é menor do que se imaginava

PARIS. Quatro mil pessoas devem morrer vítimas da radiação causada pelo acidente na usina nuclear de Chernobyl, concluíram mais de cem cientistas no estudo "O legado de Chernobyl: os impactos de saúde, meio ambiente e sócio-econômicos", colocando ponto final nas especulações de que o acidente custaria a vida de dezenas de milhares de pessoas. Quase 20 anos depois do maior acidente nuclear da História, em 1986, só agora surge um consenso científico sobre o real impacto do desastre nos três países afetados: Rússia, Ucrânia e Bielorrússia.

Até meados deste ano, menos de 50 mortes foram atribuídas diretamente à radiação provocada pelo acidente. Os novos números, sustentados por um relatório de 600 páginas que incorpora o trabalho também de economistas e profissionais de saúde, revelaram, pela primeira vez, uma dimensão mais precisa das conseqüências do desastre.

- Este foi um acidente sério, com grandes consequências em matéria de saúde, especialmente para os milhares de trabalhadores que se expuseram nos primeiro dias (do desastre) e receberam altas doses de radiação, e para milhares de outros que tiveram câncer de tiróide - disse Burton Bennett, especialista em radiação, presidente do fórum de cientistas e especialistas que preparou o relatório.

Estudo envolveu oito agências da ONU

Oito agências especializadas da ONU foram mobilizadas para o estudo. Há várias conclusões. Os cientistas prevêem, por exemplo, que das 200 mil pessoas que participaram das operações de emergência no primeiro ano após o acidente, em 1986 e 1987, 2.200 vão morrer por causa da radiação. O estudo revela também que quatro mil casos de câncer de tiróide detectados em crianças e adolescentes, na sua maioria, foram resultado da contaminação. Nove crianças morreram deste tipo de câncer. A boa notícia é que 99% das crianças afetadas na Bielorrússia sobreviveram.

O estudo concluiu que as populações em cidades vizinhas às áreas afetadas não sofreram impactos profundos em matéria de saúde, como se imaginava. Diz ainda que pobreza, doenças ligadas ao estilo de vida na antiga União Soviética e problemas mentais "representam hoje uma ameaça bem maior para as comunidades locais do que exposição à radiação". Para os cientistas, os programas de reabilitação dos afetados que existem hoje em Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, precisam ser reformulados: são mal direcionados, não têm verbas e precisam se adaptar à mudança nas condições de radiação.

"Paralelamente às mortes e doenças causadas pela radiação, o impacto na saúde mental é o maior problema de saúde pública causado pelo acidente", dizem os cientistas no relatório, explicando que informações erradas paralisaram as pessoas, que acreditam que não vão viver muito.

O relatório também tranqüiliza os que temiam o pior em impacto ambiental, ao mostrar que nos 30 quilômetros ao redor do reator da usina acidentada, em alguns lagos e florestas próximas, a radiação praticamente voltou para níveis aceitáveis. Mas ainda há riscos. A estrutura que contém o reator quebrado está se degradando e há risco de escapar "poeira radioativa".