Título: A primeira prova
Autor: Maria Lima/Jaílton de Carvalho
Fonte: O Globo, 07/09/2005, O País, p. 3

Documento mostra ligação de Severino com dono de restaurante, que teria pagado propina

O comerciário Izailton Carvalho de Souza entregou ontem à Polícia Federal cópia do documento de abril de 2002 em que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), dá garantias ao empresário Sebastião Augusto Buani, dono do restaurante Fiorella, instalado no 10º andar da Câmara, de que seu contrato seria prorrogado até janeiro de 2005. O documento, em folha timbrada da Câmara e assinado por Severino, então primeiro-secretário da Câmara, seria uma espécie de contrato de gaveta. É a primeira prova concreta contra Severino, acusado de ter recebido propina de R$10 mil mensais do empresário. Para a oposição, o documento pode levar à cassação do mandato de Severino.

Na segunda-feira, antes de embarcar para Nova York, Severino divulgou nota negando ter assinado qualquer documento prorrogando o contrato. Antes, na sexta-feira, sua assessoria chegou a admitir a possibilidade de ele ter assinado algum documento sem ler. Em sua defesa, Severino pediu abertura de inquérito na PF, alegando que o empresário tentou extorsão.

Após seu depoimento na Polícia Federal, Izailton, ex-gerente administrativo do restaurante de Buani na Câmara, confirmou o pagamento, por parte do empresário, de uma mesada de R$10 mil a Severino em troca da prorrogação irregular do contrato do Fiorella. Pelas normas da Câmara, esses contratos precisam ser renovados a cada ano.

Izailton disse também que Buani pagou R$20 mil ao deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), acusado de elaborar o documento assinado por Severino. Na entrevista depois do interrogatório, Izailton disse que os pagamentos do suborno estavam a cargo de Gisele Buani, filha de Sebastião Buani. Ela fazia os pagamentos em cheques ou em dinheiro vivo guardados dentro de envelopes. Anteontem, Buani negou que tivesse pago propina.

O ex-gerente afirmou que as acusações podem ser facilmente comprovadas mediante a quebra do sigilo bancário de Severino e da empresa Buani Paulucci, nome original do Fiorella.

Ex-gerente sabia do esquema há 3 anos

O ex-gerente disse que sabe do esquema há três anos, mas só decidiu fazer a denúncia depois de assistir o discurso de Fernando Gabeira (PV-RJ), no qual ele disse, em tom contundente, que Severino não é digno de ocupar a presidência da Câmara.

Izailton confirmou que pediu ajuda financeira às revistas "Veja" e "Época", mas não disse se recebeu ou não pagamento. A "Época", na sua edição do fim de semana, já informava que se recusara a pagar pelas informações de Izailton e por isso não conseguira o suposto dossiê. Izailton não pediu proteção policial.

Segunda-feira, depois de Buani negar em depoimento na Câmara ter pago propina a Severino Cavalcanti, seu ex-funcionário Izailton e o ex-sócio Marcelo Pérsia mostravam à comissão de investigação paralela chefiada pelo líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA), toda a papelada. Os dois foram ouvidos informalmente na casa de Aleluia. Os parlamentares orientaram Izailton e Pérsia a entregar os documentos à PF.

Segundo Izailton, as informações sobre o pagamento do chamado mensalinho de Severino estão detalhadas em relatório elaborado por Buani. No "diário da propina", Buani relata que no fim de 2002, quando venceu o contrato, procurou Severino para renová-lo, sem sucesso. Sob orientação do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) teria redigido o documento que Severino assinou, como primeiro-secretário, se comprometendo a dar o monopólio da exploração dos restaurantes até 2005. Em troca ele teria pago R$20 mil a Severino e R$20 mil a Gonzaga.

Pérsia relatou que Buani lhe pediu, em 2003, que pagasse a fatura do cartão de crédito de um deputado, no valor de cerca de R$8 mil, que só depois veio a saber que era de Severino.

Oposição fala em cassação mas está dividida

PFL prefere tentar forçar Severino a sair para dar a vaga ao pefelista Thomaz Nonô

BRASÍLIA. As novas revelações sobre o suposto envolvimento de Severino Cavalcanti (PP-PE) num esquema de propina quando era primeiro-secretário da Casa, em 2002, deram à oposição a certeza de que já há dados para sua cassação por quebra do decoro parlamentar. Mas, divididos, os líderes de PFL, PSDB e PPS não chegaram ontem a um acordo sobre a disposição anunciada pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE) de antecipar para amanhã o envio da representação pedindo a cassação do mandato do presidente da Câmara ao Conselho de Ética.

A estratégia do PFL é outra: explicitar as provas e as investigações a ponto de tornar a situação de Severino insustentável perante a opinião pública, forçando-o a um afastamento voluntário da presidência por um período de até 120 dias, quando então assumiria o primeiro vice-presidente, o pefelista José Thomaz Nonô (AL).

Se os partidos entrarem já com a representação, Severino pode se segurar no cargo por três a quatro meses até a conclusão do processo e, se cassado, Nonô assumiria por cinco sessões para comandar a nova eleição. Estão no colegiado que estuda o melhor momento de pedir a cassação de Severino PPS, PSDB, PFL, PV e PDT.

- Não podemos dar um ultimato aos outros partidos, e o melhor é uma iniciativa colegiada. Mas poderíamos ter acesso aos autos da Polícia Federal e na quinta-feira entrar com a representação - defendeu Jungmann.

- Já está configurada a quebra de decoro. Mas vamos avaliar o melhor tempo político para entrar com a representação - disse o líder José Carlos Aleluia (PFL-BA).

Líderes aliados acusam PFL e oposição de estarem interessados apenas no afastamento de Severino, para ocupar seu espaço de comando.

- O afastamento me cheira a interesse do PFL em assumir a presidência da Câmara. Se ficar comprovado tudo o que foi dito, não há um partido nesta Casa que vá se negar a assinar a representação para cassação. Esse é o caminho, não o afastamento liminar, que tem objetivo político - disse o líder do PSB, Renato Casagrande (ES).

Tucano afirma que direito de defesa será garantido a Severino

O líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), diz que o direito de Severino à defesa está garantido:

- Nossa convicção é que o presidente da Câmara quebrou o decoro porque mentiu e praticou atos de improbidade administrativa. Mas temos de dar a ele o direito de defesa.

Reunidos no início da noite, os líderes de PV, PFL, PSDB e PPS decidiram esperar para ver se outros partidos se juntam a eles na decisão de representar contra Severino. Na próxima semana haverá uma outra reunião para bater o martelo sobre a data de ir ao Conselho de Ética.

À tarde, após a divulgação de documento comprometedor assinado por Severino, o filho dele, José Maurício Cavalcanti, chegou transtornado ao seu gabinete. Contou que falara com o pai pela manhã e que ele não sabia se anteciparia sua volta ao Brasil.

- Se o Severino tiver juízo, volta já ao Brasil e, para dar resposta imediata, autoriza a abertura do sigilo bancário - disse ACM Neto (PFL-BA).

- Falei com papai hoje cedo mas ele ainda não sabe o que fazer. Agora não tem mais jeito (de voltar) - disse José Maurício.

Companheiros de Severino na Mesa, os deputados João Caldas(PL-AL), Eduardo Gomes(PSDB-TO) e o corregedor Ciro Nogueira(PP-PI) integram a comissão de sindicância criada para apurar as denúncias. Os três estavam igualmente com os nervos à flor da pele, mas se negaram a opinar.

- Primeiro vou saber se o presidente realmente assinou esse documento, e se ele é legitimo, para fazer juízo de valor - disse Nogueira.

Legenda da foto: IZAILTON SOUZA, ex-gerente do restaurante Fiorella, na PF