Título: Severino a caminho de virar réu
Autor: Maria Lima/Isabel Braga/Adriano Ceolin
Fonte: O Globo, 14/09/2005, O País, p. 3

Oposição pede cassação do presidente da Câmara por crimes relacionados a 'mensalinho'

Às 16h31m de ontem, no mesmo momento em que Severino Cavalcanti (PP-PE) presidia reunião da Mesa da Câmara que decidia o destino do mandato de 17 parlamentares, cinco partidos da oposição protocolaram no Conselho de Ética da Câmara representação pedindo a abertura de processo para cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar. O PT e aliados do governo Lula não aderiram.

Depois de muita polêmica sobre a conveniência de se esperar mais provas, assinaram a representação os presidentes do PPS, Roberto Freire (PE); do PFL, Jorge Bornhausen (SC); do PDT, Carlos Lupi; do PV, José Luiz Pena; e, pelo PSDB, o advogado Rodolfo Machado Moura, procurador do presidente Eduardo Azeredo (MG).

De manhã surgiu o rumor de que o PSDB poderia recuar e não assinar a representação por causa do envolvimento de Azeredo com recursos de Marcos Valério na campanha de 1998. No fim do dia, depois de reunião da bancada e da executiva, decidiram que o advogado assinaria com procuração do PSDB. O líder tucano, Alberto Goldman (SP), negou que seu partido tivesse pensado em recuar. Segundo ele, Azeredo só não assinou porque estava naquele momento presidindo reunião da executiva.

- O PSDB não ficou num vai-não-vai. Fizemos apenas um reparo ao texto, para tirar a frase sobre a inaceitabilidade de Severino continuar na presidência, pois teríamos que entrar em obstrução - disse.

Representação na Mesa ainda hoje

Depois de receber a representação oficialmente, o presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP), prometeu encaminhá-la ainda hoje à Mesa. Quando voltar ao Conselho, será nomeado o relator e aí Severino não poderá mais renunciar para garantir seus direitos políticos.

- Se a Mesa segurar a representação depois de duas sessões, começo o processo aqui, com a nomeação do relator - avisou Izar.

A representação conclui que Severino incorreu em crime de improbidade administrativa consistente em enriquecimento ilícito, concussão (exigir vantagem indevida) e crimes licitatórios. Além dos cinco partidos de oposição, assinaram informalmente o bloco de esquerda do PT, representantes do PSOL - que por ainda não ter registro não pode subscrever representações - e parlamentares do PMDB.

Por volta das 15h, quando conseguiram todas as assinaturas, os líderes e presidentes seguiram em marcha até o plenário, onde estava havendo sessão do Conselho. Formou-se grande tumulto que interrompeu o depoimento do deputado Eduardo Campos (PSB-PE), testemunha no processo de José Dirceu (PT-SP). Roberto Freire fez o discurso, dizendo ser incrível que o Brasil esteja assistindo a tal situação:

- Não nos restou alternativa que não criar um fato inédito na política brasileira... este é um momento histórico. Uma crise que era do Executivo agora atinge diretamente a Casa e exige pronta resposta - disse Freire.

No texto, de 14 páginas, os cinco partidos fazem um relato das denúncias de Buani, da apuração da Polícia Federal, e reproduziram entrevista de Severino em que defendeu punição branda para parlamentares investigados no escândalo.

Na conclusão, pedem a abertura do processo com base em sete pontos: assinatura do documento sem validade dando a Buani monopólio na concessão do restaurante; exigência de recebimento de vantagens pecuniárias indevidas; concussão praticada contra Buani; ameaças a parlamentares que pediram sua cassação; abuso das prerrogativas de presidente, defesa do PP na versão de uso dos recursos de Marcos Valério para pagamento de um advogado; e parcialidade no encaminhamento dos processos de Dirceu e Sandro Mabel ao Conselho.

O líder do PP na Câmara, José Janene (PR), disse que a representação contra Severino pode acabar se virando contra seus desafetos.

- Vamos entrar contra eles no Conselho de Ética. Se comprovar que o documento em que se baseiam é fraudulento, vão ter que responder por quebra de decoro - disse Janene.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) respondeu a Janene:

- Severino não pode presidir a sessão do mensalão se é acusado de receber o mensalinho.

COLABOROU Adriano Ceolin, do Globo Online

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PT prefere desgaste a apoiar oposição

BRASÍLIA. A decisão do PT de não assinar a representação contra o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), foi acertada em reunião na segunda-feira à noite e repassada ontem de manhã ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava na Guatemala. Entre o desgaste de aparecer como protetor de Severino e o risco de entrar no jogo da oposição, que logo se voltará contra o governo, o PT preferiu a primeira opção com uma saída estratégica para o partido.

A posição do governo, de aguardar as investigações e não transformar o caso Severino um jogo entre governo e oposição, foi exposta a petistas e líderes aliados pelo ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, em jantar na casa do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), anteontem.

Jaques Wagner repetiu os argumentos de que a base não deveria entrar no jogo da oposição e lembrou que foi a oposição quem elegeu Severino e que caberia a ela agora assumir o erro. Segundo participantes do encontros, os petistas avaliaram o desgaste político de não assinar a representação contra Severino, mas mantiveram a decisão de esperar provas contundentes para decidir o que fazer.

Na reunião, os líderes do PT, Henrique Fontana (RS), e do PSB, Beto Albuquerque (RS), reclamaram que estavam sendo pressionados a assinar a representação. Outros argumentaram que um desgaste de Severino e sua saída agora daria mais fôlego para a oposição, que viraria suas baterias então para o presidente Lula.

Inconformados com a decisão do partido, os deputados de esquerda do PT assinaram nota anunciando apoio informal à representação. Só ficaram de fora os deputados Orlando Fantazzini (SP) e Chico Alencar(RJ), porque são membros do Conselho e não poderiam assinar a representação que vão analisar. Mas defenderam o apoio.

PROCESSO INÉDITO

O pedido de cassação de Severino Cavalcanti é o primeiro a atingir um presidente da Câmara. Até então, só um deputado que exerceu esse cargo, Ibsen Pinheiro, foi cassado, pela CPI do Orçamento, mesmo assim depois que já tinha cumprido os dois anos na presidência (1991-1992).

Legenda da foto: SEVERINO DEIXA o Congresso acompanhado de seguranças: sete argumentos para pedido de processo