Título: BOLSONARO DÁ VEXAME NO DEPOIMENTO DE GENOINO
Autor: Maria Lima/Isabel Braga
Fonte: O Globo, 14/09/2005, O País, p. 8

Ex-presidente do PT diz na CPI que nada sabia sobre caixa 2 e pagamento de mensalão

BRASÍLIA. A maior provocação ao ex-presidente do PT José Genoino partiu do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). Num gesto interpretado por todos os partidos como tentativa de intimidação, Bolsonaro levou ao plenário da CPI do Mensalão o coronel da reserva Lício Augusto Ribeiro Maciel, que prendeu e teria torturado Genoino durante a guerrilha do Araguaia, nos anos 70, na ditadura militar.

A presença do coronel foi detectada pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que avisou aos petistas. Discretamente, o presidente da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), foi alertado e tentou tirá-lo da sala. Depois de alguma demora, o coronel se levantou, mas ficou parado diante da mesa, encarando Genoino, estimulado por Bolsonaro. Lando perdeu a calma. Pegou o braço do coronel e gritou:

- Saia, saia já!

Para o senador, Bolsonaro fez uma tortura psicológica:

- Brandir a bandeira da tortura para constranger é um desrespeito à CPI.

Do lado de fora, Bolsonaro, que horas antes tivera um despacho com o presidente interino da República, José Alencar, tentou se justificar:

- Ele é meu convidado, eu paguei a passagem de avião dele. É um direito meu.

Representantes de todos os partidos se solidarizaram com Genoino. Bolsonaro voltou à sala, assistiu a todo o depoimento e fez perguntas com alusões ao regime militar. Disse que Genoino era idolatrado como guerrilheiro, mas o dinheiro que o financiava vinha de países como Cuba e a União Soviética, que não tinham democracia interna:

- Vocês foram torturados para montar essa máquina de corrupção, ou foi num ambiente acarpetado, com refrigerante?

Genoino manteve a calma. Disse a Lando, depois, que nem havia visto o coronel. Mas foi econômico e frio ao tratar com Bolsonaro:

- Meu relacionamento com o senhor é o silêncio, em nome da ética e do decoro parlamentar.

Mais de três meses depois do estouro da crise política, Genoino não conseguiu explicar o que aconteceu com o PT durante os 30 meses de sua gestão. No depoimento - o primeiro sobre o assunto em sessão de comissão no Congresso - Genoino negou saber da prática de caixa 2 no PT e da existência de recursos do partido no exterior.

Ele disse que o ex-tesoureiro Delúbio Soares tinha autonomia para gerenciar as finanças do partido, mas evitou qualquer julgamento à conduta do companheiro.

Segundo Genoino, ao assumir a presidência do PT, em 2003, ele disse à executiva nacional que não cuidaria da área administrativa, não trataria de cargos públicos nem do planejamento de gastos, da arrecadação de fundos e do pagamento de despesas. O petista disse que participou das conversas para acertar votações de projetos e assegurou que nunca se discutiu a troca de apoio por dinheiro.

O ex-presidente do PT manteve a versão de que nunca soube do uso de recursos não contabilizados pelo partido. Ele reconheceu uma dívida de R$20 milhões do Diretório Nacional, declarada à Justiça Eleitoral. Também admitiu os dois empréstimos feitos juntos aos bancos Rural e BMG, em 2003, que somaram R$5,4 milhões.

Genoino disse que o PT não deixou de lado os limites da ética. Para ele, havia necessidade de construir uma maioria porque a agenda legislativa era de reformas importantes.

- Não fomos para o vale-tudo para governar. Não fizemos o vale-tudo na economia, na política externa, nem no Congresso para negociar uma agenda complexa e difícil - observou.

Darcísio Perondi (PMDB-RS) chamou Genoino de irresponsável e afirmou que ele, o presidente Lula e os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken roubaram a esperança e a utopia de 53 milhões de eleitores. Outra crítica partiu do companheiro de partido, senador Aloízio Mercadante (PT-SP):

- Sua omissão foi um erro político. Trouxe prejuízo a sua história, a nossa história.

Genoino informou que ficará temporariamente afastado da vida pública:

- Ficarei como militante.

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Legenda da foto: BOLSONARO E o coronel Lício são convidados a se retirar da sala durante o depoimento de Genoino