Título: Uma ausência histórica
Autor: Flávio Freire, Ricardo Galhardo e Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 19/09/2005, O País, p. 3

Lula ignora apelos e, apesar de estar em São Bernardo, não vota em eleição decisiva

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva ignorou os apelos da direção do PT para votar ontem no Processo de Eleições Diretas (PED) do partido e não compareceu ao diretório municipal de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde desde cedo centenas de militantes o aguardavam com bandeiras, cartazes e faixas. Lula, presidente de honra do PT, só deixou seu apartamento, acompanhado de seguranças, às 18h, uma hora após o fim das eleições, que ocorrem no momento em que o partido enfrente a mais grave crise de seus 25 anos. O presidente, porém, optou por passar a tarde assistindo pela TV ao jogo de seu time, o Corinthians.

Em São Bernardo do Campo há três dias, Lula só saiu de casa na sexta-feira à noite para jantar na casa do vice-presidente José Alencar. No sábado e no domingo, isolou-se. Assessores da Presidência da República passaram o fim de semana sem informações sobre se votaria ou não. Até as 14h30m de ontem o porta-voz oficial da Presidência, André Singer, que acompanhava a votação do senador Aloizio Mercadante na capital paulistana, também não tinha informações sobre a presença de Lula no diretório.

Candidato do Campo Majoritário, corrente de Lula, o secretário-geral, Ricardo Berzoini, disse não interpretar a falta de Lula como um problema do presidente com o partido.

¿ O fato de votar ou não é uma decisão mais pontual, que vai representar a opção dele perante suas duas responsabilidades: a de presidente da República e a de filiado do partido. Eu gostaria que ele votasse, mas não acho que é uma questão decisiva dele com o partido ¿ disse Berzoini, sem esconder certo constrangimento provocado pela ausência.

Para o atual presidente do PT, Tarso Genro, a decisão de Lula decorreu de um ¿juízo de conveniência¿:

¿ O presidente tem que avaliar em primeiro lugar o que é melhor para o seu partido, para o país e para a República. Certamente o presidente achou que não era conveniente participar de um processo eleitoral do seu partido. Claro que gostaríamos que ele tivesse votado, mas para nós é perfeitamente compreensível a posição que o presidente assumiu.

A direção do PT tentou o que pôde para que Lula votasse no PED. Numa conversa com o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, na sexta-feira, Tarso Genro e o coordenador do processo de eleições diretas, Francisco Campos, propuseram instalar uma urna em Brasília para quem estivesse em trânsito. O principal objetivo, no entanto, era fazer com que Lula votasse de qualquer jeito.

Ainda na semana passada, Tarso disse publicamente que o voto de Lula era importante para o partido.

Com a informação de que Lula estaria em São Bernardo, dirigentes locais do PT passaram o dia esperando que ele votasse na cidade antes de voltar a Brasília.

Representante da ala mais radical do partido, o candidato à presidência apoiado pela Ação Popular Socialista (APS), Plínio de Arruda Sampaio, disse não ter entendido por que Lula evitou a urna.

¿ Lula é presidente da República, tem outra dinâmica, outros horários. Mas é claro que seria melhor se ele tivesse ido. Não consigo entender, sinceramente, por que ele não foi.

O candidato da Articulação de Esquerda, Valter Pomar, minimizou a decisão de Lula:

¿ Não me causa espanto a ausência dele neste momento ¿ disse.

Militante agredido ao criticar ausência

Ao longo do dia, crescia a expectativa de que o presidente não cumpriria com as suas obrigações de filiado. A fraca movimentação de seguranças e a total ausência de assessores foram os primeiros sinais de que ele não pretendia sair de casa.

Em meio à mais grave crise do governo federal, militantes que estavam na rua justificavam a ausência como um reflexo dos recentes escândalos de corrupção.

¿ O Lula deve ter decidido que não pretende se comprometer ainda mais com os escândalos no PT. Mas as pessoas ainda esperam ver o Lula e ouvir dele um discurso que resgatasse a esperança. Mas talvez ele não tenha o que dizer hoje para os militantes ¿ disse a professora Marylize Thurlen, filiada ao PT desde o início dos anos 80.

Na porta do diretório, os militantes não escondiam o desapontamento com a ausência de Lula. Logo depois de votar em Plínio de Arruda Sampaio, o professor Mauro Iasi pediu desfiliação do PT.

¿ O Lula não está ausente só desta votação. Ele e o grupo dele estão ausentes dos princípios, da origem e do caráter do partido ¿ disse Iasi, agredido em seguida com socos e pontapés pelos militantes que acompanhavam sua entrevista no diretório.