Título: PF desmonta versão de Severino
Autor: Jaílton de Carvalho
Fonte: O Globo, 17/09/2005, O País, p. 3

Inquérito do mensalinho vai para o STF com 'indícios veementes de crimes'

As investigações da Polícia Federal poderão complicar ainda mais a já difícil situação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), acusado de receber mesada de R$10 mil de Sebastião Buani, dono dos restaurantes Fiorella. No inquérito sobre o mensalinho encaminhado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a PF aponta a existência de fortes indícios do pagamento de propina a Severino, inclusive de um cheque de R$7.500, como confessou Buani. A tese de que o dinheiro seria um empréstimo para a campanha de Severino Cavalcanti Júnior, filho do deputado morto em 2002, foi praticamente descartada.

Severino Júnior declarou gastos de apenas R$33,12 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Existem indícios veementes de crimes praticados por parlamentar", informam os autos do inquérito do mensalinho remetidos no ao STF. O parlamentar investigado no caso é o presidente da Câmara. Entre os indícios descritos estão os depoimentos de Buani, de Gabriela Kênia Martins, secretária de Severino, e a cópia do cheque de R$7.500, emitido em 30 de julho de 2002, período em que o deputado ocupava o cargo de primeiro-secretário, espécie de administrador-geral da Câmara.

Nos autos do inquérito, a PF sugere ainda a quebra do sigilo bancário e telefônico de Severino e de Buani. Também pede o aprofundamento das investigações sobre a participação do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) nas negociações iniciais da prorrogação do contrato do Fiorella com a Câmara.

Suposta doação não está registrada

As acusações ganharam mais peso depois da descoberta de várias contradições na versão apresentada por Gabriela à PF para inocentar Severino. No depoimento prestado à polícia no início da semana, Gabriela confirmou o recebimento do cheque, mas disse que o dinheiro era destinado à campanha de Severino Júnior, candidato a deputado estadual por Pernambuco nas eleições de 2002. A doação não está registada no TSE.

Pelos dados obtidos pela polícia, Severino Júnior arrecadou apenas R$1 mil e gastou só R$33,12. Ele morreu em 17 de agosto de 2002, num acidente de carro. Foi substituído pela irmã Ana Cristina Cavalcanti, que acabou eleita na esteira da popularidade do pai. Gabriela Kênia afirmou também que Severino Júnior teria usado o dinheiro para cobrir gastos com uma gráfica em Brasília, que seria a Letra e Cor ou a Tinta Imprensa.

Gabriela não apresentou nota fiscal do serviço prestado. Procurada pelo GLOBO, Natália Lany, funcionária da Letra e Cor, na 704 Norte, negou que a gráfica tenha prestado serviço a Cavalcanti Júnior. A Tinta Imprensa não foi localizada. Pelo levantamento da polícia, Severino Cavalcanti e Ana Cristina, pai e irmã de Severino Júnior, só fizeram gastos em Pernambuco.

- Estranho, só o filho morto fez despesas em Brasília - disse um dos investigadores do caso.

A denúncia do mensalinho foi feita por Izeilton Carvalho, ex-gerente administrativo do Fiorella. Depois de uma semana de suspense, Buani confirmou a acusação e acrescentou mais detalhes à denúncia. Para mostrar que o mensalinho é verdadeiro, Buani entregou à polícia a cópia do cheque de R$7.500 que teria dado a Severino no dia 30 de julho de 2002. O cheque foi descontado por Gabriela.

José Eduardo Alckmin, advogado de Severino e Gabriela, disse ontem que não vê problemas entre a versão da secretária e a declaração oficial de gastos de Severino Júnior.

- Evidentemente é uma prestação de contas errada. Não foi ele quem fez a prestação de contas. Quem fez, não tinha todos os documentos (comprovantes de gastos) em mãos - disse Alckmin.

A PF deve enviar ao STF no início da semana o laudo sobre um dos documentos supostamente assinados por Severino como garantia da prorrogação do contrato do Fiorella. Severino diz que não assinou o documento. Buani disse o contrário.

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Planalto espera consenso para a sucessão

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou algumas horas em Brasília, ontem, para discutir com a coordenação política do governo, em reunião na Granja do Torto, a conjuntura política, especialmente a situação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Lula reafirmou que o governo vai manter-se distante da crise na Câmara e respeitar a solução do Congresso para o escândalo envolvendo Severino.

Como porta-voz da reunião, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que o Planalto espera uma solução de consenso para a eventual sucessão de Severino e não vetará nomes:

- O importante é o processo de apuração de responsabilidades e punição na medida que seja comprovada a culpabilidade e respeitadas a presunção da inocência e a configuração de provas.

Dilma disse não ver problemas num eventual encontro entre Lula e Severino e argumentou que isso não representará uma interferência do Executivo nas decisões do Congresso.

A ministra afirmou que o possível afastamento de Severino não significará a saída do ministro das Cidades, Márcio Fortes, indicado para o cargo pelo presidente da Câmara:

- Não pretendemos fazer modificação. Encaramos o ministro como representante de um partido da base.

Segundo Dilma, o governo defende o consenso na escolha de um sucessor de Severino, mas também o respeito à proporcionalidade e à representação partidária, o que daria ao PT, a maior bancada, o direito de indicar o candidato.

Legenda da foto: O CORREGEDOR Ciro Nogueira deixa a casa de Severino Cavalcanti: situação do presidente da Câmara se agrava a cada dia