Título: `LULA QUER TER IMAGEM ACIMA DO PT¿
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 25/09/2005, O País, p. 10

`A idéia que fica é que o presidente foi mais despreparado do que culpado¿, diz professor da FGV

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será julgado na próxima eleição pela pecha de culpado ou inocente nos episódios de corrupção que levaram o governo federal à crise, mas pelo despreparo que ele apresentou para lidar com várias situações, diz o professor de política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fernando Abrúcio. Para ele, a ausência de Lula nas eleições internas do PT mostra que o presidente repete agora o que sempre fez em 25 anos de história do partido: evita conflitos partidários para se manter como símbolo de uma legenda.

O senhor acredita que Lula pretende descolar sua imagem da do PT ao não votar nas eleições internas do partido? É a melhor estratégia para este momento em que a crise política atinge os petistas?

FERNANDO ABRUCIO: Ele quer, neste momento em que a crise ainda não acabou, ter uma imagem acima do PT. Lula não pode descolar sua imagem do PT, porque se ele sonha em ser candidato à reeleição, será pelo PT. Ele não quer se envolver nem parecer que está apoiando um candidato em particular. E isso não é de hoje, ele faz agora o que faz há 25 anos, que é pairar acima das brigas do PT. Foi isso que permitiu a ele ser sempre mediador e líder do PT sem nunca entrar numa discussão ideológica do partido.

A força do PT sempre saiu dos militantes. Será que a ausência na eleição não desestimula petistas tradicionais?

ABRUCIO: Acho que a força do PT foi a militância até certo ponto, mas que começou a dividir com a força daqueles que tinham cargo público. Isso vem da década de 90. A vitória do Campo Majoritário desde 1995 e a maneira como isso se construiu tem menos a ver com a militância e mais com a capacidade de certos setores do PT de se eleger e governar. Teve bons ou maus resultados, mas a partir disso deu uma cara ao PT.

O senhor está falando em clientelismo?

ABRUCIO: Não, embora em alguns casos isso tenha acontecido. A imagem do PT era a imagem dos cargos que ocupava, seja governando ou se colocando em oposição ao governo de plantão. Há certo mito da militância do PT que foi importante de fato até dez anos atrás, mas tem diminuído. Mais importante era a imagem difusa que o partido tinha para a opinião pública como ético e dos pobres, que foi importante para a democracia. Isso orientou não só os militantes, mas os votantes no PT.

A ausência de Lula pode ser interpretada como um recado de que o presidente não estaria ao lado dos que o traíram?

ABRUCIO: O Lula não votou porque estar acima do partido significa para ele não entrar num conflito partido, e isso não é novo na história do Lula. Nunca fora criticado antes porque ele era só candidato ou porque existia certa blindagem do Lula dentro do PT.

O governo agora lança a candidatura de Aldo Rebelo para presidir a Câmara. O governo aprendeu com a derrota de Luiz Eduardo Greenhalgh?

ABRUCIO: O presidente Lula escolheu um candidato que tem uma porta de negociação porque ele mesmo construiu quando foi coordenador político. Lula e o PT aprenderam que arrogância não faz bem na política.

Em meio à crise política, o senhor analisa que faltou a Lula denunciar quem o traiu?

ABRUCIO: Esse é um pedido da oposição. Mas o presidente Fernando Henrique também nunca deu nome aos bois no episódio das fitas do BNDES. Faltou a Lula dar mais respostas e ter humildade no início do processo.

A popularidade do presidente tem diminuído inclusive entre os eleitores de baixa renda...

ABRUCIO: Poderia ter caído menos, se ele tivesse tido uma postura inicial diferente. Deveria ter avisado que existia uma situação de crise, dizer qual a causa e ajudar o Congresso a resolver esse problema. Ao contrário disso, deu a infeliz entrevista na França, dizendo que financiamento de campanha é problema de todos os partidos.

Qual deve ser o efeito na carreira de Lula com toda a crise?

ABRUCIO: A idéia que fica é que o presidente, em todo esse processo, foi mais um despreparado do que culpado. O que na verdade não o absolve politicamente, mas também não o leva ao impeachment. Isso é uma bobagem inventada pela oposição para desestabilizar o governo. Foi por isso que a sociedade não se mobilizou. A sociedade entendeu mais a crise do que a oposição. Despreparado significa que em 2006 a sociedade vai dar uma resposta. Acho que o presidente tem um piso alto de 15% a 20% que torna muito provável sua ida para o segundo turno, mas não ganha a eleição porque ele perdeu o eleitor de opinião pública, sobretudo de grandes cidades.

A discussão sobre a presidência da Câmara passa por projetos políticos para 2006. Como o senhor acha que o governo vai agir agora?

ABRUCIO: O PT, internamente, não tem de fato coesão para lançar candidato. É uma dificuldade que se transformou num grande problema para o partido e para o governo. O governo não tem unidade há anos.

Quem mais perdeu nessa crise: o PT, o Congresso ou o presidente Lula?

ABRUCIO: Sinto que as principais lideranças partidárias de oposição não perceberam quanto o Congresso perdeu. A oposição tem uma chance enorme de eleger o presidente em 2006, mas com o Congresso fraco é ruim. A oposição se preocupa mais em desgastar o governo do que em reconstruir o Congresso. É um erro político de longo prazo, embora um acerto político de curto prazo.

Ao mesmo tempo que o Campo Majoritário perdeu a maioria no PT, a esquerda ganha cada vez mais espaço...

ABRUCIO: A eleição mostra que se há uma visão muito crítica sobre o Campo Majoritário, existe no PT uma maioria pró-Lula. Há uma separação entre filiados sobre a visão em relação a Lula. Há três candidatos com visão pró-Lula muito forte e se somarmos os votos dos três há uma maioria com cerca de 70% pró-lula, o que é muito alto.