Título: `Puxadinhos' do prefeito
Autor: ELIOMAR COELHO
Fonte: O Globo, 04/11/2004, Opinião, p. 7

O prefeito do Rio, Cesar Maia, tem declarado que vai encaminhar à Câmara de Vereadores até o fim deste ano propostas de alteração da lei urbanística tratando, entre outras coisas, da regularização dos ¿puxadinhos¿ irregulares e da ocupação das encostas por casas de gente endinheirada, com o suposto objetivo de evitar o aumento das favelas. O prefeito, aliás, vem se mostrando extremamente preconceituoso quando fala sobre a vida dos moradores de favelas.

A idéia de ocupação das encostas é requentada. Este tema já é antigo e conta com a simpatia do prefeito. Muita simpatia, diria. Tanto assim que volta e meia ele traz o tema à baila. Em 1993, Cesar Maia apresentou pela primeira vez projeto de lei neste sentido. A rejeição à proposta foi intensa. Houve outras tentativas, todas sem a devida justificativa que validasse o seu conteúdo. A última, de 1997 (PLC n 11/97), foi objeto, inclusive, de uma Comissão Especial na Câmara dos Vereadores, por iniciativa e pressão de alguns vereadores que julgavam que aquela proposta só traria prejuízo para a cidade.

Após uma série de audiências públicas na Câmara concluiu-se que a proposta significava um enorme risco para a cobertura vegetal da Floresta da Tijuca. A justificativa dada ¿- de que evitaria a favelização ¿ era tecnicamente insustentável e carregava em si um enorme preconceito com os moradores das favelas cariocas. Note-se que nenhuma política habitacional já foi ou é mencionada pelo prefeito. Não há vontade política em realizar programas que possam significar o início da quebra de uma tendência perversa, em que o pobre se vê obrigado a solucionar seu problema de moradia em condições degradantes.

Em uma das audiências públicas realizadas na Câmara de Vereadores ficou claro que o projeto de lei prevendo ocupação das encostas fere normas federal, estadual e municipal (decreto 750, de 1993; a resolução n2 do Ibama, de 1994; o art. 225 da Constituição da República; o tombamento pelo Iphan do Parque Nacional da Tijuca; o art. 270 da Constituição estadual; além dos artigos 463 e 471 da Lei Orgânica do Município).

Ou seja, a proposta lançada pelo prefeito, de liberar a ocupação das encostas por casas de luxo a fim de evitar a favelização, além de estar ressuscitando tema já condenado em mais de uma ocasião, traz uma falsa e preconceituosa premissa que, a meu ver, mais se parece com a idéia mirabolante de outro, que propôs murar a Rocinha.

A outra idéia requentada pelo prefeito, neste período pós-eleitoral, é a regularização dos chamados ¿puxadinhos¿, lei já conhecida por todos nós como a ¿mais-valia¿. Ao invés de a prefeitura punir aqueles que fazem obras sem permissão, cria projetos para regularizar a situação mediante a pagamento. Aqueles que não têm dinheiro para ¿legalizar¿ a obra permanecem à margem da lei. Um projeto de lei com este teor ¿ a chamada Regularização Onerosa ¿ tramitou no Legislativo municipal recentemente, tendo recebido recomendação de veto por parte do Ministério Público, por negar princípios básicos tornados expressos no Estatuto da Cidade. Por isso, foi integralmente vetado por esse mesmo prefeito, no início deste ano.

Agora, numa atitude no mínimo estranha, afirma que vai apresentar matéria semelhante, para ser aprovada pelo Legislativo.

Um governante que veta uma matéria, por seu conteúdo absurdo, matéria essa que foi rechaçada por parte da sociedade, e, logo depois, propõe reapresentá-la, ou está fazendo cena ou está pensando que estamos de volta ao tempo dos monarcas. A reeleição do prefeito, mesmo que tenha se dado já no primeiro turno, não pode ser a porta aberta para atitudes tiranas.

A política urbana, que ganhou status constitucional em 1988, com um capítulo dedicado a ela, tem como um de seus princípios básicos expressos o da participação popular no processo de tomada de decisões (art. 426 da Lei Orgânica Municipal). A total ausência de discussão com a população, com técnicos e interessados no assunto sobre a cidade, tem sido a prática adotada na cidade do Rio de Janeiro há doze anos. O que temos como resultado, apenas para ilustrar, é a retomada de assuntos e propostas já rejeitadas, que, além de serem absurdas por ferirem princípios básicos do direito, vêm carregadas de uma pesada dose de preconceito.