Título: Governo deu o pontapé inicial
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 04/11/2004, Economia, p. 21

Quando decidiu suspender a emissão de títulos cambiais, um ano atrás, o Tesouro Nacional deu o pontapé inicial na redução da dívida externa do setor privado, afirma o economista Samuel de Abreu Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sem o hedge (proteção) que as garantiu por mais de meia década de câmbio fixo, as empresas tiveram que diminuir sua fragilidade por meios próprios. Encontraram um cenário acolhedor: por um lado, desde o ano passado, o real tem se valorizado frente ao dólar; por outro, o vigor do mercado exportador e a recuperação da demanda interna engordaram o caixa das companhias.

¿ Faz sentido reduzir o passivo externo num momento em que as empresas estão conseguindo combinar o dólar barato com o aquecimento da demanda e, em conseqüência, alta rentabilidade. E o governo estimulou essa política quando deixou de emitir títulos cambiais para reduzir seu próprio passivo cambial ¿ diz Pessôa.

Os economistas rejeitam qualquer correlação entre o baixo volume de rolagem da dívida externa em 2002 e o atual. Naquele ano, a desconfiança dos mercados em relação à sucessão presidencial e a política econômica do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva desencadeou uma rejeição ao Brasil poucas vezes observada. Embora o atual nível rolagem (nos últimos três meses, apenas um terço da dívida externa privada vem sendo renovada) se aproxime dos números de 2002, as motivações são opostas, como afirma o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, num boletim do banco:

¿O que está acontecendo agora não é falta de crédito, como ocorreu em 2002. Tanto que o governo central já captou US$ 3,73 bilhões desde junho. Não é a restrição de oferta que explica a baixa rolagem, mas a falta de demanda do setor privado. O fato de as empresas estarem bem capitalizadas, utilizando recursos próprios ou financiamentos no mercado interno, e de o custo do hedge cambial estar elevado explicam a opção por quitar dívida externa¿.

Em dezembro de 2003, a dívida externa do setor privado somada ao endividamento do bancos públicos era de US$ 95 bilhões. Em junho deste ano, caíra a US$ 89,27 bilhões. O Bradesco estima que estará em US$ 80,145 bilhões no fim de 2004 ¿ uma redução de praticamente US$ 15 bilhões em 12 meses.

Diante do acelerado saneamento financeiro das empresas, Pessôa prevê para 2005 uma onda de investimento produtivo movido a capital próprio ou a empréstimos em reais. Uma iniciativa que ele considera saudável e louvável.