Título: PORTO DIGITAL TORNA RECIFE UM PÓLO DE INFORMÁTICA
Autor: Leticia Lins
Fonte: O Globo, 02/10/2005, Economia, p. 33

Projeto já reúne 96 empresas, emprega 2.500 pessoas na região portuária da cidade e vira modelo de desenvolvimento

RECIFE. O Primeiro Mundo é aqui. No passado, o cais da cidade de Recife era pontilhado de decadentes edifícios, movimentados em sua grande maioria por marinheiros em busca de amor barato. Hoje, as construções seculares ganharam charme com a revitalização do bairro do Recife Antigo. O baixo meretrício desapareceu da região portuária, que assumiu um novo perfil: virou uma ilha de tecnologia. Ou melhor, Porto Digital, como é chamado o arranjo produtivo de tecnologia da informação e comunicação instalado na cidade e que começa a servir de exemplo para outros estados.

O cluster já atraiu 96 empresas, inclusive multinacionais, como a Motorola e a Nokia, que ancoraram na área com institutos de pesquisa. Também presta serviços para gigantes como a Coca-Cola e a IBM. As 96 ¿fábricas¿ de software ali ¿fundeadas¿ já respondem no estado por 80% do Produto Interno Bruto (PIB) gerado pelo setor, que cresce 10% ao ano em Pernambuco.

As estimativas indicam que, até o fim de 2005, com a ampliação do Porto Digital, a indústria de software responderá por uma fatia próxima dos 5% do PIB pernambucano (atualmente é de 3,5%). Desde julho de 2000, quando foi criado, o pólo recifense de informática já atraiu investimentos superiores a R$55 milhões, entre recursos públicos e privados, segundo informa o diretor-presidente do seu Núcleo de Gestão, Valério Veloso.

Seus centros de pesquisa, incubadoras e empresas funcionam em prédios seculares devidamente restaurados. Eles se espalham nos cem hectares do sítio histórico da capital, onde são servidos por 26 quilômetros de dutos e sete quilômetros de fibras ópticas, que fazem da antiga zona de prostituição uma das regiões mais modernas do país. O Porto Digital já gerou 2.500 empregos.

Novas empresas têm desempenho acima da média

O número de postos de trabalho pode chegar a três mil até o fim do ano, quando empresas instaladas na região deverão somar uma centena. No momento, são quatro multinacionais e dez oriundas de outras regiões do país. A maior parte, no entanto, é formada por jovens empreendedores egressos do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco e do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). O Cesar nasceu na UFPE e hoje atua como um instituto de pesquisas e incubadora de novos empreendimentos. É a principal âncora do Porto Digital.

Os novos empreendimentos registram um desempenho inédito para os padrões de sobrevivência empresarial no país. No Brasil, segundo o Sebrae, o índice de mortalidade chega a 49,4% entre as empresas com até dois anos de existência. Mas no Porto Digital o índice de sucesso está em 70%. Segundo Veloso, algumas começaram como tese de mestrado, viraram uma proposta de negócio e, embora ainda estejam incubadas, já despontam como líderes nos seus segmentos.

É o caso da Jynx, fundada por André Araújo, um ex-aluno da UFPE e hoje diretor da empresa, que tem entre os clientes Coca-Cola, McCann Erickson, Sadia e Sebrae. Ela vem se consolidando no mercado de advergames (games para publicidade).

Outra ainda no casulo é a Meantime. Apesar de ainda estar em período de incubação no Cesar, ela é um sucesso na elaboração de games para telefone celular. Da carteira de clientes da Meantime constam Motorola, Samsung, LG, Claro, Brasil Telecom e Oi. Seus games já percorrem 15 países, inclusive Estados Unidos, Austrália e Canadá.

Indústria de games de Pernambuco crescerá 250%

Segundo um dos seus sócios fundadores, Haim Mesel, a Meantime já desenvolveu mais de 40 jogos, e entre os seus produtos mais populares encontram-se ¿Meu Big Brother¿, criado em parceria com a TV Globo. Outro exemplo é a Proloud, que desenvolve jogos para microcomputadores e já tem dois títulos de sucesso na Europa.

A indústria de games local deve crescer 250% este ano em relação a 2004, tornando-se um exemplo de sucesso para os jovens empreendedores que fincaram amarras no Porto Digital. O número de desenvolvedores de games no Brasil ainda é limitado: 55. Destes, 9% estão em Pernambuco, que já fatura 16% do setor no país.

No Porto Digital, as 96 empresas em operação oferecem soluções, entre outras, nas áreas de multimídia, internet, geomarketing, arquitetura e sistemas digitais, banco de dados, engenharia de software, processamento de imagens, inteligência artificial, telecomunicações, telefonia móvel e até mesmo em problemas urbanos, como a gestão do trânsito.

Segundo o secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Cláudio Marinho, o estado já investiu R$23 milhões dos R$33 milhões destinados à construção de infra-estrutura para sediar o Porto Digital. A iniciativa inclui o suporte dos fundos de investimento, fomento e aval. Este oferece garantia de até 70% em operações de crédito em bancos públicos para empresas de software.

Outras cidades começam a implantar projeto

Além disso, uma lei municipal beneficia empresas do Porto Digital com incentivo financeiro, reduzindo em até 60% o ISS (Imposto Sobre Serviço). Marinho, juntamente com o cientista-chefe do Cesar, Sílvio Meira, são dois dos maiores responsáveis pela implantação do Porto Digital, que tem também apoio de outras instituições públicas, como as universidades, e do setor privado. O exemplo do Porto Digital começa a ser solicitado por outras capitais, como Goiânia e São Paulo, que pretende implantar projeto similar na Cracolândia.

Para o secretário, o contrato de gestão que o estado tem com o Núcleo de Gestão do Porto Digital facilita a formação do arranjo produtivo:

¿ O Porto Digital tem que ter governança, e quem desempenha esse papel é o Núcleo de Gestão. Hoje, a grife Porto Digital começa a ter valor e já soma 30 empresas exportadoras ¿ diz Marinho.