Título: Recurso extremo
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/10/2005, O GLOBO, p. 2

Muito mais do que o recrudescimento da oposição na CPI dos Bingos, que se animou a fustigar pela primeira vez, o que preocupava o presidente Lula ontem era a greve de fome do bispo dom Luiz Cappio contra o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Situado no limite entre a paixão e a irracionalidade política, o episódio não deixa de evocar o Conselheiro e sua resistência insana e mística à chegada da República, que reprimiu sua insurgência com um banho de sangue.

Mas dom Cappio não mobiliza jagunços nem camponeses. Atenta apenas contra a própria vida, valendo-se deste instrumento de luta extremo, a greve de fome, geralmente usada pelos que já não dispõem de outro, como os prisioneiros políticos ou de guerra. Os de Guantánamo recentemente fizeram uma. Para um governo já tão ferido e lanhado pela crise, a eventual morte deste bispo seria desastrosa por sua repercussão interna e externa. Lula entende e teme esta possibilidade, mas nas conversas de ontem tratava de explicitar sua preocupação humanitária antes do receio político. Lembrou ter sido ele que procurou Fernando Henrique, em 1998, pedindo que evitasse a morte de três chilenos e uma canadense presos no Brasil pelo seqüestro do empresário Abílio Diniz em 1989. Ocorrido na semana da eleição presidencial, o caso chegou a ser explorado eleitoralmente contra o próprio candidato Lula. Os presos exigiam a extradição que já fora negada pelo STF. Fernando Henrique efetivamente se mobilizou, encontrou uma solução diplomática e jurídica e eles foram entregues à Justiça de seus países.

Mas o bispo Cappio era chamado também ontem no governo de fundamentalista. Representa um setor da Igreja que freqüentemente tromba com o governo Lula, sobretudo na questão da reforma agrária. Agora dom Luiz está denunciando o que chama de um ¿hidronegócio¿ que matará o rio e encherá algumas arcas da fortuna. Sua bandeira tem uma ressonância especial, que sensibiliza diferentes setores da sociedade urbana, atentos à questão ecológica ainda que inteiramente ignorantes do que seja a falta de água para beber. Em debate patrocinado pelo GLOBO ontem na PUC/Rio sobre a crise política, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) começou sua intervenção lembrando que era dia de São Francisco, que deu nome ao rio, e aniversário de dom Luiz, pedindo atenção ao drama que ele protagoniza. A menção foi bem recebida pelos estudantes.

Também na divulgação desta que pode ser sua maior obra física, o governo parece ter perdido a batalha da comunicação. Não convenceu os opositores, na hora certa, de que poderia usar o velho Chico para um projeto social sem ameaçar sua sobrevivência. Ontem, diante da continuada greve do bispo de Barra (BA), começou a ser discutida a liberação de R$400 milhões para aplicação exclusiva na revitalização do rio. O deputado Walter Pinheiro (PT-BA) tratava desta hipótese com o ministro Jaques Wagner, embora já corresse a informação de que ela não será suficiente para interromper o jejum político. Dom Cappio exige o arquivamento do projeto, e para isso tem o apoio de governadores, políticos e ecologistas que já haviam perdido a batalha. Um problema delicado, que põe o governo entre a rendição e o peso da culpa se o pior acontecer. Tal como FH no caso dos seqüestradores, Lula está procurando uma saída pela vida