Título: Prefeito e Câmara recuam
Autor: Luiz Ernesto Magalhães/Paulo Marqueiro:
Fonte: O Globo, 05/10/2005, Rio, p. 14

Cesar se diz contra remoção de favela e vereadores não obtêm quórum para mudar lei

Depois de dizer que não poderia demolir construções em favelas por causa da Lei Orgânica do Município e de afirmar que tentou sem sucesso alterar a legislação cerca de 20 vezes em nove anos, o prefeito Cesar Maia voltou atrás. Ontem ele se declarou "radicalmente contra as remoções".

- A minha posição é contra a remoção. Remoção para nós é uma melhoria de vida da população, não é um instrumento de fazer desaparecer as comunidades. Elas estão aí para ficar. Elas ficarão. Não se pode criar na classe média essa expectativa de remoção de favelas, porque ela não existe. Agora, irregularidades, exageros, abusos têm de ser contidos.

Na Câmara, também houve recuo. Os vereadores que defendem mudanças na Lei Orgânica para facilitar a remoção de favelas não conseguiram ontem as 17 assinaturas necessárias para as propostas serem discutidas em plenário. Um dos projetos, que reuniu propostas de Leila do Flamengo (PFL) e Aspásia Camargo (PV), conseguiu a adesão de apenas 11 colegas. As justificativas são variadas. Nadinho de Rio das Pedras (PFL) afirmou ser radicalmente contra as remoções. Já Luiz Guaraná (PSDB) disse que cabe ao Executivo apresentar propostas indicando o que deve ser mudado.

Em entrevista ao GLOBO domingo, Cesar disse que não apresentaria projeto de emenda à Constituição municipal por não ter garantia de que conseguiria os dois terços (34 votos) necessários à mudança. O prefeito afirmou ainda que a iniciativa deveria partir dos vereadores. Ontem, depois de se encontrar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no Palácio da Cidade, para conversar sobre o Pan 2007, Cesar mudou o tom.

- A política do prefeito é não remoção. Sou radicalmente contra. Isso não me impede de ter feito remoções na cidade. Não fiz poucas. Fiz várias, mas sempre com entendimento da população. O Favela-Bairro faz isso, mas faz por consenso. O reassentamento do Favela-Bairro é sempre feito na área da própria comunidade, através de verticalização

O prefeito argumentou ainda que a remoção de favelas é uma política pública que não deu certo no Rio:

- Temos de integrar a cidade. Como o Rio vai reproduzir agora a discussão dos anos 60, dos anos 40? Isso é uma barbaridade - disse.

Cesar anunciou que dentro de dois anos a prefeitura deverá construir um complexo esportivo, educacional e de saúde na área ocupada hoje pela Escola Americana, na Gávea, vizinha à Rocinha.

No Legislativo, os debates não avançaram ontem. Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Aspásia Camargo admitiu que a falta de apoio a projetos para mudar a Lei Orgânica mostra ser pouco provável que a atual legislatura mude as regras em vigor para as favelas.

Por equívoco, Wanderley Mariz (PFL) chegou a protocolar na Casa uma proposta. Como havia dúvidas se os colegas assinaram como co-autores (como exige a Lei Orgânica), o presidente Ivan Moreira (PFL) decidiu não aceitar o projeto até Mariz conversar com os colegas.

Mariz admitiu, em telefonema a Ivan, não saber da necessidade de 17 assinaturas de vereadores como co-autores de emendas à Lei Orgânica.

Para a vereadora Andréa Gouvêa Vieira (PSDB), mesmo que a Assembléia Legislativa (Alerj) aprove a alteração na constituição estadual, de modo a permitir a remoção de favelas, o novo dispositivo seria ilegal.

- A Constituição federal assegura o direito à moradia. O dispositivo é uma cláusula pétrea ( não pode ser alterada por emenda) - disse Andréa.

João Cabral (PT do B) deu apoio ao projeto mas não quis assinar:

- Quero que o assunto seja debatido. Mas acho que cabe à prefeitura encaminhar propostas.

Brizola Netto (PDT) se disse contra as remoções:

- Essa é uma discussão superada há tempos. Hoje, a estratégia é urbanizar as favelas e não segregar moradores de áreas carentes do resto da cidade. Além disso, creio que o prefeito já tenha instrumentos suficientes para conter as construções irregulares.

Jorge Felippe (PMDB) diz que só apoiará qualquer projeto se houver mudanças na Constituição estadual, mesmo assim, ele faz ressalvas:

- Acho que esta questão tem de ser discutida junto com a revisão do Plano Diretor da Cidade - disse.

Já a Pastora Márcia Teixeira (PL) se diz contra remoções:

- É preciso que sejam construídas casas decentes para pessoas que vivem em condições sub-humanas.

Ontem de manhã, Ivan Moreira disse que iria discutir a formação de uma comissão conjunta entre a Câmara e a Assembléia Legislativa para discutir a questão das favelas. À noite, ele há havia descartado a idéia:

- Os vereadores querem tratar da questão aqui mesmo - explicou.

Luiz Guaraná, que preside a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores, marcou para amanhã, às 10h, uma audiência pública para debater com secretários e técnicos da prefeitura medidas para conter a favelização e o crescimento desordenado do Rio.

No Morro da Coroa, no Centro, o programa Amigos da Comunidade, mantido pela Secretaria estadual de Ação Social, tem ajudado moradores da favela a pintarem de branco as fachadas de suas casas. Cerca de 200 famílias já foram beneficiadas até o momento.

'Elas (as favelas) estão aí para ficar. Elas ficarão'

CESAR MAIA

Prefeito do Rio