Título: Acareação tem muito bate-boca e pouco resultado
Autor: Alan Gripp e Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 06/10/2005, O País, p. 8

Cinco principais personagens da suspeita renovação de contrato entre Gtech e Caixa nada acrescentam às investigações

BRASÍLIA. Cinco homens, um segredo ainda longe de ser desvendado e muito bate-boca. A acareação ontem entre os principais personagens da nebulosa renovação do contrato de R$650 milhões para o processamento de loterias entre a multinacional Gtech do Brasil e a Caixa Econômica Federal trouxe poucas novidades para a investigação e transformou num autêntico ringue o plenário da CPI dos Bingos no Senado.

Sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi chamado de o ¿rei do trambique¿ pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que pediu desculpas em seguida. Anteontem, Lula acusara a CPI dos Bingos de perder o rumo depois da decisão de fazer uma acareação entre seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, e os irmãos do prefeito petista Celso Daniel, assassinado em 2002.

Certeza de que houve propina

Depois de mais de seis horas de depoimentos, os senadores disseram não ter mais dúvidas de que o contrato foi fechado mediante pagamento de propina. Os detalhes da negociação, no entanto, ainda permanecem um mistério. O ex-diretor de marketing da Gtech Marcelo José Rovai manteve a versão de que sofreu uma tentativa de extorsão de R$6 milhões do advogado Rogério Buratti e do ex-assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz, que segundo ele atuaram juntos para garantir o fechamento do negócio.

Buratti, que foi assessor do ministro Antonio Palocci na Prefeitura de Ribeirão Preto, tem versão oposta: ele diz que, por sua influência junto ao ministro, foi procurado pela multinacional, que lhe ofereceu de R$500 mil a R$16 milhões (dependendo das condições do contrato) para serem repassados ao PT. Rovai ironizou a versão de Buratti e a discussão ganhou contornos infantis:

¿ Com a sua biografia, o senhor rejeitou R$16 milhões que poderia comprar ônibus e botar laranja para tomar conta? Tolinho... ¿ provocou Rovai.

¿ Não sou tolinho, você é que é bobo ¿ devolveu Rogério Buratti.

Waldomiro, responsável pelo começo do escândalo ao ser flagrado num vídeo pedindo propina ao empresário de jogos Carlinhos Cachoeira, que também participou da acareação, tentou negar a tentativa de extorsão. Ridicularizado pelos senadores, ele aderiu à troca de acusações e centrou fogo na Gtech e em Marcelo Rovai.

¿ Ele (Rovai) não tem moral para dizer isso (chamá-lo de bandido) ¿ afirmou Waldomiro.

¿ Vocês tentaram me tomar dinheiro, se isso não é ser bandido... ¿ respondeu Rovai

¿ Nunca pedi um centavo a esses senhores ¿ defendeu-se Waldomiro.

Cachoeira, que até então assitia ao bate-boca calado, foi convocado a dar seu testemunho pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e posou de herói:

¿ Depois da divulgação dessa fita, ninguém ajudou mais o país do que eu. Mas não tenho muito mais para falar.

Por diversas vezes, os senadores roubaram a cena e passaram a trocar acusações. Após uma interferência do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que disse que a acareação atendia ao desejo do presidente Lula de ver bingueiros depondo na CPI, o presidente da comissão, senador Efraim Morais (PFL-PB), partiu para o ataque ao presidente:

¿ O presidente Lula perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado. Ele tem que respeitar o trabalho dos senadores ¿ disse Efraim, em referência à frase de Lula de que estava ¿esperando a CPI convocar um bingueiro¿.

Aos gritos, Tasso Jereissati emendou:

¿ Ele é que é o rei do trambique, o rei do trambique.

Minutos depois, o senador tucano pediu desculpas pelo termo usado, mas não retirou a crítica:

¿ Usei uma expressão inadequada e peço desculpas. Mas hoje o presidente só pode fazer o discurso de meses atrás: o de pedir desculpas à nação e ficar com a cabeça baixinha, baixinha.

O ministro Palocci também foi muito citado durante a acareação. Rogério Buratti afirmou duas vezes que a proposta de propina que diz ter recebido da Gtech chegou ao conhecimento do ministro através de seu ex-assessor Ralf Barquete, que morreu em 2004. Palocci, no entanto, não teria aceitado a proposta e, segundo Buratti, teria determinado à Caixa que endurecesse a negociação com a multinacional.

¿ O ministro deu uma mensagem definitiva de que não iria interferir. Levei a proposta ao Ralf e ele me retornou no mesmo dia ¿ afirmou Buratti.

As discussões entre Waldomiro e Cachoeira, que gravou o desafeto pedindo propina, foram um capítulo à parte. O bate-boca começou quando Waldomiro disse que o seu nome estava sendo usado pela Gtech como um facilitador de negócios junto ao governo.

¿ Foi o Cachoeira que me comunicou ¿ afirmou Waldomiro.

¿ O quê? Vou até tirar o óculos para olhar melhor para você. Que desfaçatez! ¿ devolveu Cachoeira.

Mineiro teria sido o intermediário

Ao fim dos depoimentos, os senadores reforçaram as suspeitas de que a propina foi paga pela Gtech através do advogado mineiro Walter Santos Neto. Em depoimento à CPI no mês passado, Santos Neto não conseguiu explicar o que fez com os R$5 milhões que a Gtech depositou na conta de sua empresa, a MM Consultoria. Ele chegou a dizer que gastava muito e que gostava de vinhos caros. Parte do dinheiro foi sacado por ele com auxílio de carros-fortes e outra parte por três funcionários seus, humildes, que receberam cheques nominais.

O último personagem da acareação foi o advogado Enrico Gianelli, que prestava serviços para a Gtech e é acusado de ter apresentado Buratti aos executivos da multinacional. Mesmo com acusações de parte a parte, o contrato com a Caixa acabou sendo assinado em 8 de abril de 2003. Por isso, a CPI dos Bingos suspeita que a negociação acabou evoluindo com a ajuda de outro grupo do governo, ligado a Waldomiro Diniz.

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