Título: ROCINHA: DOS 15 FERIDOS, 8 ERAM MENORES
Autor: Ediane Merola
Fonte: O Globo, 10/10/2005, Rio, p. 8

Polícia reitera que Bope não atirou a esmo e que apenas revidou ataque de bandidos

Manchas de sangue dentro de uma creche, crianças com marcas de estilhaços pelo corpo e buracos de bala nas paredes. O cenário que se via ontem na Rua 1, próximo à localidade conhecida como Terreirão, na Rocinha, lembrava os momentos de pânico vividos por moradores da favela na noite de sábado, quando 15 pessoas foram feridas (cinco delas a bala e dez por estilhaços que podem ser de granada) durante incursão do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Moradores acusam policiais de terem atirado a esmo na direção de uma creche, onde a maioria dos feridos participava de um chá de bebê. Já a polícia afirmou que foi atacada a tiros por traficantes, que teriam explodido também granadas, e reagido defensivamente, ferindo um bandido.

A movimentação de policiais do Bope na Rocinha começou no sábado à tarde. Ao mesmo tempo, a dona de casa Daiane Lima da Cruz, de 18 anos, grávida de oito meses, promovia um chá de bebê na creche do Projeto Curumim, mesmo local onde a professora Geisa Firmo Gonçalves, morta no fim do seqüestro do ônibus 174, há cinco anos, dava aulas.

Cinco pessoas, entre elas um bandido, continuam internadas

Segundo Daiane, os policiais viram que acontecia uma festa no local e chegaram a pedir que o volume do som fosse diminuído. Quando o tiroteio começou, às 19h30m, a festa estava terminando e muitas crianças estavam na rua. Os primeiros disparos teriam sido feitos de uma laje.

- Os policiais começaram a atirar, ninguém atirou contra eles. Foi um pânico geral. Muita gente entrou correndo na creche para se esconder. Quando conseguimos fechar a porta, havia várias pessoas sangrando. A gente não pode mais fazer festa na Rocinha porque a polícia sempre acha que tem bandido - reclamou Daiane.

Dos 15 feridos, oito eram crianças ou adolescentes. Até um bebê de 3 meses, que estava na festa com a mãe, foi atingido por estilhaços no rosto e na perna. A avó da pequena Mariana, a manicure Rosimar dos Santos, estava desesperada ontem.

- Minha filha Evelyn (Rodrigues dos Santos), de 13 anos, foi ferida por estilhaços de granada nas costas e baleada na mão direita. Ela quase perdeu o dedo. Por sorte, o bebê estava no colo de outra pessoa e foi só atingido por estilhaços. Tem apenas uma semana que o pai do bebê (o comerciário Sérgio Ferreira da Silva, de 23 anos) foi morto pela polícia quando jogava bola - lamentou Rosimar.

Estilhaços atingiram Lara Neves Alves, de 9 anos, quando ela comia bolo do lado de fora da creche:

- De repente eu senti a minha perna esquerda queimando. Saí correndo para o bar do meu tio.

Evelyn, Mariana e Lara foram atendidas no Hospital Miguel Couto, assim como os demais feridos. A adolescente continua internada. Até a tarde de ontem, outras três vítimas de tiros permaneciam no hospital: Gilberto Alves de Macedo, de 43 anos, baleado no abdômen e na perna, Adriana Pereira da Silva, de 32, ferida superficialmente no tórax, e Bartolomeu dos Santos Mendes, baleado na perna.

Ainda foram feridos por estilhaços, mas sem maior gravidade, Artur Aguiar, de 13 anos, Mateus da Silva Pereira, de 3 anos, Jeferson, de 1 ano e 9 meses, Cristiane Carvalho Silva, Rosemary Ferreira da Silva, Wellington Braga de Toledo, Alice Pereira da Silva e Marcos Alves Macedo.

O comandante do Bope, tenente-coronel Fernando Príncipe, negou ontem que os policiais tenham atirado a esmo. Ele disse que a equipe fazia uma operação de rotina quando foi atacada por criminosos.

- Aquele local na Rua 1 é uma área freqüentemente usada por traficantes. Por isso havia uma equipe posicionada ali. Houve um confronto e os bandidos lançaram granadas que acabaram atingindo os moradores - afirmou Príncipe.

No confronto, um bandido de 17 anos também foi baleado. Encontrado no Hospital Lourenço Jorge, na Barra, ele está sob custódia e foi reconhecido como um dos criminosos que teria lançado granadas.

Segundo o comandante das Unidades Operacionais Especiais, coronel Antônio Camilo Branco Faria, o Bope estava na Rua 1 para fazer contenção do tráfico. Os três policiais que se envolveram diretamente no confronto tiveram que informar os dados das armas que usavam, na 15ª DP (Gávea), onde o caso foi registrado.

No sábado, após o tiroteio, moradores da Rocinha se deitaram no chão em frente ao Hospital Miguel Couto, interrompendo o trânsito na Avenida Bartolomeu Mitre, no Leblon. Um grupo tentou fechar a Auto-Estrada Lagoa-Barra, mas foi contido por lideranças comunitárias. Já o trânsito na Estrada da Gávea foi bloqueado com caminhões de lixo e ônibus.

Legenda da foto: GRÁVIDA, DAIANE era a anfitriã do chá de bebê onde estava a maioria das vítimas