Título: FIM DE SEMANA DE CONFLITOS
Autor: Ediane Merola
Fonte: O Globo, 10/10/2005, Rio, p. 8

Moradores do Turano vão às ruas contra PM; no sábado, houve tiroteio em outros 2 morros

Um dia depois de a Rua São Clemente, em Botafogo, ter sido fechada por causa de um tiroteio no Morro Dona Marta e de o trânsito na Rua Bartolomeu Mitre, no Leblon, ser interrompido por moradores da Rocinha, que protestavam contra uma incursão da polícia que deixou 15 feridos, ontem foi a vez de um confronto no Morro do Turano provocar confusão em ruas da Tijuca. Cerca de 40 moradores da comunidade tentaram fechar a Rua Haddock Lobo, na esquina com Rua Campos Salles. Com cartazes e muito nervosos, eles reclamavam que policiais militares mataram dois homens e feriram uma criança durante operação na favela.

Segundo os moradores, Flávio Florêncio dos Anjos, de 27 anos, havia saído, por volta das 8h, para comprar pão com o filho, Flávio Florêncio dos Anjos Júnior, de 6 anos. Eles teriam sido surpreendidos por um tiroteio entre bandidos e policiais na localidade conhecida como Raia. Flávio foi ferido e morreu no local e a criança, atingida no abdômen, foi operada no Hospital do Andaraí. No mesmo local, Alessandro Santana Araújo, de 23 anos, também foi baleado e morreu.

Indignados com a ação dos policiais do 6ºBPM (Tijuca), os moradores do Turano desceram para a Haddock Lobo e fizeram uma manifestação pedindo justiça. O trânsito ficou confuso, já que na hora do protesto passava pela rua uma procissão em direção à Igreja dos Capuchinhos.

- Essa é a única forma que a comunidade tem para reclamar da falta de comando no 6º BPM. A comunidade está refém da polícia, sendo tratada como bicho - disse Gilson de Araújo, presidente da Associação de Moradores da Liberdade, no Turano.

Menino não corre risco de morrer

Operado no Hospital do Andaraí, Flávio Júnior foi transferido à tarde para o CTI do Hospital Souza Aguiar e não corre risco de morrer. Os dois mortos também foram levados para o hospital. Valéria Paulina Inácio, de 32 anos, mãe do menino, diz que o pai de seu filho era trabalhador e que os dois tinham acabado de ir à rua comprar pão.

- Estava me preparando para ir lavar roupa quando ouvi os vizinhos gritando que meu filho tinha sido baleado - disse Valéria no Hospital do Andaraí, ainda com a roupa suja do sangue do filho.

Zelaine Ribeiro, de 24 anos, mulher de Alessandro, também defendeu o marido, com quem tinha três filhos:

- Ele era trabalhador. Estava desempregado, mas fazia biscates.

Segundo moradores, na hora do tiroteio o corpo de Flávio caiu sobre o do filho. Os policiais não teriam visto o menino, que gritou pela mãe e chamou a atenção das pessoas.

Durante o protesto, Eliane Dantas foi agredida por um dos PMs com golpes de cassetete, deixando moradores da Rua Haddock Lobo indignados. Segundo a PM, vários homens tentaram deitar nas pistas para impedir o tráfego de veículos. Os policiais tentaram tirá-los a força e algumas mulheres, que tentaram defender seus maridos, acabaram sendo atingidas também.

Segundo a polícia, nove policiais do 6º BPM subiram o Turano, por volta das 8h, à procura do traficante conhecido como Beirola. Segundo o tenente Alan de Luna, que comandava a operação, houve uma denúncia de que ele estaria na favela. Beirola é acusado de desvio de munição e aliciamento de meninas da Zona Sul para o Turano. Segundo o tenente Luna, ao chegar à localidade da Raia, os policiais teriam encontrado homens armados, dando início ao tiroteio que causou a morte de Flávio e Alessandro.

De acordo com o tenente, foram apreendidas na favela uma pistola 9 milímetros, de uso exclusivo das Forças Armadas, uma submetralhadora, idêntica às usadas pela PM, e uma pequena quantidade de maconha e cocaína. Devido ao tiroteio, os policiais não puderam dar continuidade à operação para prender o traficante.

Legenda da foto: MANIFESTANTES exibem cartazes na Rua Haddock Lobo: eles tentaram interromper o trânsito alegando que as vítimas eram inocentes; no detalhe, o menino Flávio