Título: Corrida contra a morte
Autor:
Fonte: O Globo, 10/10/2005, O Mundo, p. 17

Socorristas buscam sobreviventes soterrados por sismo que matou 20 mil no sul da Ásia

Atordoado pela escala da destruição causada pelo maior terremoto já registrado em sua História, o Paquistão travava ontem uma luta desesperada contra o tempo para salvar as vítimas ainda vivas soterradas pelos escombros de cidades e de aldeias inteiras varridas do mapa. Ontem, o número de mortos no poderoso sismo de 7,6 graus na escala Richter ocorrido às 8h50m de sábado (hora local) chegava a 20 mil, e o de feridos passava de 42 mil. Havia, no entanto, previsões de que os mortos passassem de 30 mil, já que as equipes de resgate ainda não conseguiram chegar a várias localidades destruídas na região montanhosa do norte do Paquistão, que lançou um apelo de ajuda internacional e ontem mesmo já começou a realizar enterros em massa.

Com os recursos humanos e materiais de socorro do país esticados além do limite diante da imensidade da tragédia, as equipes de resgate e os moradores lançaram-se às pilhas de entulho muitas vezes sem ter mais que pás, picaretas e as próprias mãos.

- Estamos correndo contra o relógio aqui - sintetizou a porta-voz do escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários.

O impacto maior da catástrofe foi na cidade de Muzaffarabad, capital da Cachemira paquistanesa, situada nas montanhas a poucos quilômetros do epicentro do terremoto.

- A devastação é total. Parece a cidade da morte - relatou o repórter Zulfiqar Ali, da agência Reuters, que estava em Islamabad e chegou a pé à cidade, isolada pelo bloqueio de estradas por causa de deslizamentos.

Musharraf pede ajuda internacional

Segundo ele, a maioria das casas, lojas e dos prédios públicos - entre eles o hospital militar municipal - desabou e os que ficaram de pé apresentam rachaduras. O repórter, que mora na cidade, teve sua casa destruída, mas seu filho pequeno foi resgatado ileso dos escombros. Sem lugar para atender os feridos, os médicos estabeleceram um pronto-socorro provisório num parque de Muzaffarabad. Muitos alunos da Universidade de Azad Jammu e Cachemira estavam soterrados sob os escombros do prédio.

- Oitenta por cento da região foram destruídos. A situação é muito ruim. Estão realizando cirurgias em campos de futebol e não há médicos suficientes - contou Ozgur Bozoglu, de uma equipe turca de busca e salvamento já em operação na cidade.

Muitos reclamaram da falta de assistência das autoridades nas áreas mais remotas atingidas nas montanhas. Na cidade de Balakot, arrasada pelo sismo, um menino era a imagem do desamparo em que muitos foram atirados pela dimensão da tragédia, que deixou o governo paquistanês sem recursos para atender a todas as áreas afetadas. Com a irmã pequena ferida nos braços, ele não sabia o que fazer:

- Não há gaze, médicos, nada. Onde devemos ir? - indagava atônito.

Temendo novos terremotos - houve mais de 20 tremores secundários - boa parte dos assustados moradores de Muzaffarabad dormiu ao relento. A cidade estava sem água nem eletricidade. O Exército armou campos de apoio e estava fornecendo comida aos moradores necessitados. Em Srinagar, capital da Cachemira indiana, a população saiu às ruas assustada perto da meia-noite quando os alto-falantes das mesquitas anunciaram a possibilidade de outro terremoto.

Na capital do Paquistão, Islamabad, situada a 95 quilômetros do epicentro, apenas dois prédios desabaram, um deles parcialmente: as Torres Margala, dois blocos de classe média com 75 apartamentos. As equipes de resgate retiraram 35 corpos e 80 pessoas foram retiradas com vida dos escombros. Calculava-se, porém, que havia pelo menos mais 150 pessoas soterradas.

- É terrível. Estou esperando um milagre. Meu irmão e toda a família dele estão lá dentro - desesperava-se o brigadeiro Abdul Jahsor.

Uma mulher só pôde ser resgatada após ter sua mão amputada para livrá-la de um bloco de concreto, enquanto médicos tiveram de fazer o mesmo com a perna de um morador.

Na Cachemira indiana, atingida em menor intensidade pelo terremoto, a cidade que mais sofreu foi Uri. Os médicos locais tiveram de improvisar o atendimento num campo de críquete. O número de mortos passava de 700 ontem e cerca de 25 mil pessoas foram alojadas em tendas e barracas.

Diante da enormidade da tragédia, o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, fez um apelo dramático por ajuda internacional. Ele disse que o país precisa de cobertores, tendas, remédios e helicópteros de transporte para atingir as áreas mais remotas.

A ONU estabeleceu uma equipe para coordenar a assistência humanitária e Rússia, Turquia, China, Reino Unido e Alemanha já tinham ontem equipes de resgate no país. Os Estados Unidos, que deram US$100 mil de ajuda humanitária, também ofereceram helicópteros militares. O Banco Mundial, por sua vez, ofereceu US$20 milhões, e a União Européia, US$4,4 milhões, fora as doações individuais de cada membro. Austrália, Japão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos também anunciaram o envio de ajuda. No Vaticano, o Papa Bento XVI pediu ao mundo que responda rapidamente ao apelo paquistanês por ajuda e se solidarizou com os feridos e as famílias das vítimas.

A busca desesperadapor crianças

ISLAMABAD. Pás, picaretas e as próprias mãos foram os instrumentos usados por pais na busca desesperada por seus filhos, presos sob os escombros de duas escolas destruídas pelo terremoto. As vozes das crianças, apavoradas, e os lamentos dos pais acompanharam o trabalho frenético de resgate no vale de Balakot, nas montanhas da Província da Fronteira Noroeste, uma das áreas mais atingidas pelos tremores.

- Chamem minha mãe, chamem meu pai, me salvem - dizia repetidamente a voz enfraquecida de um menino, dos escombros de uma escola pública, na qual estariam cerca de 200 crianças.

- Tirem meu filho, tirem meu filho - gritava sua mãe, batendo no peito, enquanto outros pais recuperavam os corpos de quatro crianças, elevando para oito o número de mortes confirmadas.

Eram milhares de feridos, principalmente mulheres e crianças, que estavam em suas casas na hora da tragédia - enquanto os maridos e pais trabalhavam fora. Praticamente a metade das mulheres e crianças tinha pelo menos um ferimento.

Na escola particular Shaheen, 650 crianças ficaram presas sob as ruínas do prédio de quatro andares. Elas estavam em aula quando o terremoto atingiu a escola, às 8h50m da manhã de sábado, dia normal de aulas no país.

Uma adolescente chamada Busra foi retirada dos escombros, coberta de poeira e com ferimentos nas pernas, na manhã de ontem.

- Estávamos sentados na sala de aula quando aconteceu - lembrou ela. - Tentamos nos levantar e correr, mas ficamos presos. Fiquei enterrada até o pescoço nos escombros. Ainda tem muita gente presa lá.

Um menino carregava sua irmã mais nova, de quatro ou cinco anos. A pele havia sido arrancada de seu rosto e de um dos lados de seu corpo por uma rocha que destruiu a casa da família. Ele não sabia o que fazer.

- Não tenho curativos - dizia. - Não há médicos, não há ninguém para nos ajudar. Aonde devemos ir?

Uma médica alemã, encarregada de um leprosário em Balakot, disse que estava fazendo o que podia. Ela disse que seis de seus pacientes morreram quando o telhado central do hospital caiu, e 20 ficaram feridos.

- Ajudo refugiados e doentes há 17 anos, mas estou chocada - dizia a médica, Chris Schmoter. - Nunca vi tamanha devastação.

SOB ESCOMBROS

ELE PRECISA de oxigênio!", gritou um dos médicos que resgatou o paquistanês Iqbal, na Cachemira e que sobreviveu mais de 24 horas preso nos escombros. Apesar do esforço dos médicos, ele não resistiu e morreu a caminho do hospital.

FOI COMO se fosse o fim do mundo", contou o aldeão paquistanês Fazal Elahi, cuja filha de 14 anos não resistiu aos ferimentos e morreu em seus braços, depois de enfrentar uma viagem de 46 quilômetros para chegar ao hospital da cidade de Mansehra.

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