Título: Tragédia aproxima dois inimigos históricos
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Fonte: O Globo, 10/10/2005, O Mundo, p. 19

Primeiro-ministro indiano oferece ajuda para presidente paquistanês e governos preparam esquema coordenado de ação

NOVA DÉLHI. A proporção da tragédia provocada pelo terremoto de sábado no sul da Ásia acabou promovendo uma aproximação política entre Índia e Paquistão, países inimigos que têm milhares de anos de história em comum e que foram divididos apenas em meados do século passado. A região é um dos principais focos de tensão do planeta, pois além de os países terem somados 1,25 bilhão de habitantes, os dois são potências nucleares.

Ontem, o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, telefonou para o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, oferecendo ajuda, numa atitude que dificilmente seria encarada como corriqueira em circunstâncias normais.

- Ainda que partes da Índia também tenham sofrido este inesperado desastre natural, estamos preparados para proporcionar todo tipo de assistência nas operações de resgate que (Musharraf) considere apropriado - disse Singh ao presidente paquistanês, segundo relato do Ministério das Relações Exteriores da Índia.

Além do oferecimento de auxílio material, os dois líderes também acertaram detalhes da cooperação nos trabalhos de recuperação da área atingida.

Marajá da Cachemira tentou manter independência

A quase totalidade dos territórios atuais de Índia e Paquistão foram por mais de cem anos parte do Império Britânico. O movimento nacionalista das décadas de 1930 e 1940 acabou não apenas na conquista da independência, mas também plantando as sementes para a rivalidade entre os países.

Quando o Reino Unido decidiu entregar a soberania de seus territórios no Subcontinente Indiano, cada um das 565 províncias teve que escolher se gostaria de fazer parte dos novos Estados da Índia ou do Paquistão.

O marajá Hari Singh, governante da Cachemira, região ao sul do ponto mais a oeste da Cordilheira do Himalaia, decidiu, no entanto, tornar-se independente. A área, porém, foi invadida por milícias islâmicas do Paquistão, que pretendiam anexar a região, que é predominantemente muçulmana.

Quando os guerrilheiros chegaram próximos à capital, Singh pediu auxílio militar à Índia, prometendo em troca aceitar se tornar um estado indiano. O Paquistão não aceitou e os dois países entraram em guerra, que durou até 1948 e terminou sem um tratado de paz, com os dois países controlando cada um uma parte da região.

Em 1965, Índia e Paquistão entraram novamente em guerra pela posse da Cachemira. O conflito terminou num impasse, sem que nenhum dos lados tivesse conseguido conquistar território em relação à linha de controle estabelecida em 1948.

Ponte da Paz foi afetada pelos tremores

Paquistão e Índia entrariam em guerra novamente em 1971, mas desta vez o motivo foi uma revolta no Paquistão Oriental. Depois da guerra, a região se tornou independente e assumiu o nome de Bangladesh.

Nos últimos 15 anos, as trocas de acusações entre Índia e Paquistão sobre violações da linha de controle e atividades terroristas foram freqüentes. Os dois países mantêm grandes contingentes militares na região e as escaramuças entre soldados ou forças irregulares mataram 45 mil pessoas desde 1989.

Índia e Paquistão iniciaram negociações de paz em janeiro de 2004 e foi aberto um canal de comunicação entre os dois governos, o que ajudou a diminuir a tensão na região.

Um dos maiores símbolos da aproximação entre os países, a Ponte da Paz, que liga os setores indiano e paquistanês da Cachemira, foi seriamente atingida pelo terremoto. Dois pilares foram atingidos e a ponte foi fechada.

Um passado de guerras

INDEPENDÊNCIA: Índia e Paquistão se tornam independentes, separando-se do Império Britânico, em agosto de 1947.

PRIMEIRA GUERRA: Em 1947, milícias paquistanesas tentam tomar a Cachemira. A Índia intervém e começa a guerra.

SEGUNDA GUERRA: Nova crise na Cachemira provoca nova guerra aberta, em 1962. O confronto termina num impasse.

TERCEIRA GUERRA: Independência de Bangladesh do Paquistão é conseguida após guerra entre Nova Délhi e Islamabad.

TENSÃO EM KARGIL: Em 1999, escaramuças entre tropas regulares dos dois países na área de Kargil quase se transforma em guerra aberta.

APROXIMAÇÃO: Em 2004, governos iniciam negociações e criam canal de comunicação para evitar novas guerras.

SOB ESCOMBROS

AS PESSOAS saíram às ruas com medo de novos tremores, sentaram e rezaram, mas nem todo mundo sobreviveu", relata Muhammad Furqan Riaz, morador de Mipur, na região de Cachemira, descrevendo o pânico que tomou a população. "Ouvi que quatro estudantes adolescentes de uma escola religiosa morreram quando a torre da mesquita desabou sobre eles. Visitei o local e testemunhei um verdadeiro horror", lembrando dos corpos ensanguentados e totalmente irreconhecíveis que estavam sendo retirados dos escombros. "Vi uma mulher desesperada porque não conseguiam achar o corpo de seu filho: ela só queria o corpo, pois sabia que ele estava morto."

Legenda da foto: MUSHARRAF, O PRESIDENTE paquistanês, fala com vítimas do tremor