Título: Contrariando o Planalto, José Dirceu convenceu petistas a não renunciar
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 18/10/2005, O País, p. 4

Lula preferia renúncia coletiva para abrandar crise, mas ex-ministro atuou contra

BRASÍLIA. A atuação do deputado José Dirceu (PT-SP) influenciou na decisão dos seus colegas petistas João Paulo Cunha (SP), Professor Luizinho (SP), José Mentor (SP) e Josias Gomes (BA) de desistir de renunciar aos seus mandatos. Os quatro deputados chegaram a analisar seriamente a possibilidade de renunciar.

Em conversas nos últimos dias, Dirceu argumentou com eles que a renúncia seria um erro e que todos deveriam enfrentar o julgamento político. Posição contrária a aquela defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desejava a renúncia de todos como forma de abreviar a crise política.

Dirceu já conversou com 200 deputados por telefone

Ao ser informado que nenhum dos deputados do PP envolvidos no escândalo do mensalão renunciaria, Dirceu argumentou que ficaria muito ruim para a imagem dos petistas comportamento semelhante.

Apesar de ter influenciado na decisão dos petistas, Dirceu evitou comandar a operação pessoalmente. Em agosto, quando evitou a renúncia desses mesmos deputados, o ex-chefe da Casa Civil provocou a ira do Palácio do Planalto e do próprio presidente Lula, que naquele momento já defendia a renúncia. Ontem à noite, em conversa por telefone com O GLOBO, Dirceu evitou comentar a decisão dos colegas de bancada e disse acreditar que o fato não deve influenciar no seu processo.

¿ São casos distintos. Não vejo relação direta ¿ disse.

Dirceu passou o dia ontem com os advogados preparando sua defesa que apresenta hoje no Conselho de Ética. Até ontem, Dirceu já tinha falado com cerca de 200 deputados, por telefone. Dirceu avalia que seu processo será julgado no próximo dia 26.

¿ Não dá para saber o que vai acontecer até lá. A conjuntura política está mudando e nos últimos dias melhorou a olhos vistos. Até o dia 26, esse clima pode melhorar ainda mais. Não há provas contra mim. Se querem um julgamento político, isso não é a Câmara que faz. Tenho que apostar nisso. Vou lutar até o fim e depois vou continuar lutando. Estou cansado desse suplício ¿ desabafou.

Ontem, ele mandou para os 512 deputados uma carta de três páginas fazendo um apelo político por sua defesa. No texto, ele afirma que está há 150 dias sob a acusação de ter coordenado um esquema de corrupção para favorecer parlamentares e diz que ¿a denúncia contra um político é como epidemia contagiosa¿. Em tom humilde, Dirceu reconhece que durante sua gestão na Casa Civil pode ter acumulado mágoas e ressentimentos dos parlamentares.

¿Políticos que acumulam poder e reconhecimento social, acumulam, também, ressentimentos, incompreensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos motivos¿, escreveu Dirceu. ¿Por mais justas que sejam as reclamações, muitas vezes os ressentimentos sedimentados contra as pessoas que acumulam poder decorrem da incompreensão ou desconhecimento do acúmulo de pressões, problemas, conflitos e responsabilidades¿, acrescentou. Na carta, Dirceu diz que ¿algumas personalidades conseguem resolver melhor esses conflitos, outras não¿.

Em carta, ex-ministro faz duras críticas à imprensa

Na carta, Dirceu faz duras críticas à imprensa. Afirma que a pressão da mídia é o combustível do Congresso e que o prejulgamento da opinião pública aterroriza os homens públicos. ¿A mídia me julgou e me condenou no dia em que um deputado corrupto resolveu se vingar por eu ter negado qualquer proteção para livrá-lo do processo que viria¿, escreveu Dirceu, referindo-se ao ex-deputado Roberto Jefferson. E conclui: ¿Quando a mídia escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que resista incólume¿.

Ao final, faz um apelo: ¿Só peço uma coisa: se não tiver convicção de minha culpa, não permita que eu seja injustamente banido da vida pública do país pela segunda vez¿.