Título: ABATE GERA IMPASSE ENTRE PRODUTORES E GOVERNO
Autor: Geralda Doca, Paulo Yafusso e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 20/10/2005, Economia, p. 27

Pecuaristas exigem indenização para eliminar animais infectados pela aftosa. Lula discutirá o problema hoje

BRASÍLIA, CAMPO GRANDE e SÃO PAULO. O sacrifício dos 4.645 animais infectados com a febre aftosa em Mato Grosso do Sul, por determinação do Ministério da Agricultura, provocou impasse na região. Os pecuaristas, com apoio da Agência Estadual de Vigilância Animal (Iagro), afirmam que só vão cumprir a ordem se tiverem a garantia de que serão indenizados. Ontem, a Polícia Federal precisou intervir porque vários produtores de Japorã ¿ onde foram confirmados dois focos da doença ¿ se recusaram a matar os animais.

Os pecuaristas querem que o governo federal financie a metade dos prejuízos, aplicando recursos num fundo emergencial criado no estado pelos produtores para esse fim. O fundo só dispõe de R$4 milhões, quantia considerada insuficiente para cobrir os danos.

Uma das sugestões das autoridades estaduais é que, em vez de sacrificar, possam fazer o abate sanitário, no frigorífico. Neste caso, o pecuarista pode recuperar parte da perda, com a venda da carne maturada (resfriada), que mata o vírus. As vísceras e os ossos são destruídos no local. O governo federal, porém, entende que o transporte de animais infectados é fator de risco e por isso determina o abate na fazenda.

O problema da indenização será discutido hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o governador do estado, Zeca do PT, e o presidente do Iagro, João Cavallero. O argumento dos pecuaristas é que o governo arcou com todos os prejuízos em 2001, quando foi descoberto um foco em Jóia (RS).

¿ Se o governo federal acha que é necessário destruir os animais precisa oferecer uma contrapartida. Temos que ter a garantia de que haverá indenização ¿ disse Cavallero.

O secretário de Produção do estado, Dagoberto Nogueira Filho, disse que o valor total das indenizações ainda não foi fechado. Dependerá do número de animais efetivamente sacrificados. O valor de mercado de cada um varia de R$300 a R$500, de acordo com as características do animal.

Foco original surgiu em área de fronteira com Paraguai

Dagoberto Filho deixou claro, porém, que o dinheiro só será liberado se ficar comprovado que o produtor vacinou o rebanho e não contrabandeou gado do Paraguai. O processo, disse, levará no mínimo um mês e o valor a que cada pecuarista terá direito será calculado pelo conselho do fundo, formado por representantes dos frigoríficos, dos produtores e do Iagro.

Investigações feitas pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF) mostram que o primeiro foco confirmado de febre aftosa em Mato Grosso do Sul ¿ na fazenda Vezozzo, em Eldorado (a 430 quilômetros de Campo Grande) ¿ veio na verdade da região de Japorã, na fronteira com o Paraguai. Em depoimento prestado ao delegado Antonio Carlos Videira, um motorista que esteve na Vezozzo confirmou que antes de ir a Eldorado também transportou gado para um assentamento na região de Jacareí, onde estão localizadas as fazendas Guaíra e Santo Antonio. O dono da Santo Antonio também cria gado em terras do lado paraguaio.

Com a confirmação segunda-feira de mais três focos de aftosa ¿ um em Eldorado e dois em áreas de assentamento em Japorã ¿ os estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, além do Rio, voltaram a fechar suas divisas. No Rio, há sete barreiras, que funcionam 24 horas.

Na contramão, em portaria assinada ontem, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo permitiu a entrada de carne processada de Mato Grosso do Sul, salvo ¿daquela vindo dos cinco municípios interditados na área do foco de febre aftosa¿. A decisão de flexibilizar o embargo determinado na semana passada veio depois de duas reuniões entre Dagoberto Nogueira e o secretário de Agricultura de São Paulo, Antonio Duarte Nogueira Júnior.

As comissões de Agricultura do Senado e da Câmara aprovaram ontem requerimentos convidando os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Agricultura para prestarem esclarecimentos sobre a crise.

(*) Especial para o GLOBO