Título: Espaço à esquerda
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 09/11/2004, País, p. 4

Os partidos de esquerda ganharam na maioria esmagadora das capitais: PT, PSDB, PSB, PDT, PPS fizeram prefeitos em 22 das 26 capitais. Além dos dois partidos que saíram das eleições municipais como o centro da política nacional ¿ o PT elegeu nove prefeitos de capital, o PSDB outros cinco ¿ quem teve mais presença nas capitais foi o PDT, que elegeu três prefeitos (mesmo número que o PSB) , sendo que um deles, o de Salvador, uma vitória simbólica expressiva por ter derrotado o grupo do senador Antonio Carlos Magalhães ¿ as outras capitais foram Maceió e São Luís.

Além disso, o PDT foi o terceiro mais votado nas 150 maiores cidades do país, elegendo 11 prefeitos, ficando atrás mais uma vez apenas de PT e PSDB. Também o PPS destacou-se nessas eleições municipais, elegendo dois prefeitos, sendo que um deles em Porto Alegre, derrotando uma dinastia petista que já durava 16 anos, ou quatro administrações.

Se, no entanto, levarmos em conta os números de PDT e PPS somados, como tende a acontecer com a fusão dos dois partidos cada vez mais provável, veremos um quadro ainda mais promissor para o novo partido embrionário. Juntos, elegeram cerca de 600 prefeitos, tornando-se a quarta força municipal, atrás apenas do PMDB, do PSDB e do PFL. Sendo que as áreas em que venceram, segundo dirigentes dos partidos, ¿parecem dentes de engrenagem se encaixando¿.

Os dois partidos já fizeram duas eleições de deputados coligados em 98 e 2002, e nas bancadas, todos já concorreram juntos. Esses números mostram como a fusão dos dois partidos, que está bastante avançada, pode realmente criar uma terceira força política no país.

O resultado que deu uma predominância para a esquerda nas capitais do país é explicado pelo professor Fabiano Santos, do Iuperj, pela importância que vem ganhando dentro da sociedade o combate à desigualdade social: ¿Este é um problema muito contundente, muito presente, percebido como tal na opinião pública, um item da pauta da agenda política fundamental¿, lembra ele.

Um partido não comprometido historicamente em resolver esse problema tem dificuldade de se impor ao eleitorado, diz Santos. É buscando um espaço político que enxergam na esquerda brasileira desde que o PT assumiu o governo, que PDT e PPS se encaminham para a fusão. Para o deputado federal Miro Teixeira, do PPS, o que haverá na verdade é o surgimento ¿de uma força que vai ser diferente¿. Ele define o novo partido como ¿numericamente muito expressivo, e politicamente, um partido de grandes quadros¿.

Os princípios que estão sendo desenhados ¿têm o objetivo de recuperar o sentido das instituições republicanas, o tratamento da coisa pública pelo que pode trazer de benefício à população, e não do que possa trazer de espaço de poder para o partido e seus membros¿. Um documento está sendo preparado para ser submetido às bases dos dois partidos.

Miro analisa que ¿no Brasil, todo mundo virou de centro-esquerda, o político brasileiro ficou com vergonha de dizer que é de direita ou de centro. Até o Maluf diz que é de centro-esquerda¿. Isso se deu, segundo ele, porque vivemos muito tempo de ditadura, ¿e quem era a favor dela era chamado de direita, e quem era de oposição, mesmo que fosse liberal, era chamado de esquerda¿.

Para os padrões que estão sendo praticados de política econômica, Miro diz que o novo partido ficará à esquerda do governo, por exemplo: ¿Consideramos que é equivocada a acumulação de superávit primário nos níveis que o Brasil acumula, ao mesmo tempo em que aumenta os juros, que aumentam a dívida interna. Em algum momento isso vai trazer dificuldades, vai asfixiando a produção¿.

Miro diz, porém, que o novo partido ¿vai ser independente¿, e não de oposição. Ele nega, por isso, que a condição para Ciro Gomes permanecer no partido seja a de deixar o governo: ¿Se o governo Lula tiver dificuldades em temas relevantes, este será o partido com o qual ele mais poderá contar¿. Como o apoio será dado de acordo com o interesse nacional, ¿a negociação não vai ser em torno de cargos, de emendas, vai ser em torno de políticas públicas¿, diz Miro.

Fabiano Santos constata que existe uma análise muito presente nos meios acadêmicos sobre a importância que uma eventual terceira força de esquerda pode vir a ter na política brasileira, mas ele discorda. Ele diz que tem dificuldade para enxergar ¿onde está o voto¿ desse novo partido.

Santos ressalta que para se ter uma campanha nacional, ¿é preciso realmente compor com os partidos de centro, centro-conservador, para conseguir entrar nos grotões, para ter alcance nacional¿. E lembra que ¿o PSDB está sendo, nas grandes cidades, o destinatário da opção conservadora, ainda que não seja um partido conservador¿. Para ele, uma opção como a do novo partido ¿pode acabar dando a vitória para o PSDB/PFL¿.

Miro discorda e diz que ¿um partido dessa expressão ganha espaço para, nos estados, ou fazer a cabeça-da-chapa, ou estar de alguma forma na coligação, ou com vice, ou com o senador, nas eleições majoritárias. E a mesma coisa na eleição presidencial¿.

O nome para esse novo partido ainda está sendo pesquisado, mas há uma decisão de criar uma legenda nova mantendo as duas siglas abaixo do novo nome, para os dois grupos não perderem a identidade. A palavra igualdade, uma das bandeiras do partido, poderia ser levada para a sigla, e republicano também, mas até agora não se achou uma maneira de fazer a sigla sem que forme o nome PRI, o partido que dominou a cena política do México por tantos anos, e virou sinônimo de clientelismo.

Mas poderia ser também alguma coisa como Partido Democrático Trabalhista Social. ¿O importante é o perfil das idéias¿, garante Miro, que fala em nomes como o do senador Jefferson Peres, do PDT; do ex-presidente do Supremo Mauricio Corrêa, e do presidente do PPS, Roberto Freire, como possíveis candidatos à Presidência da República pelo novo partido. ¿A candidatura de Mario Covas a presidente em 89 consolidou o PSDB¿, lembra Miro, para fazer uma comparação: ¿O PSDB era um partido de quadros, mas sem bases, foi formando as bases depois. Esse partido surge com quadros políticos e bases fortes, sólidas¿.