Título: O barato que sai caro
Autor: Regina Alvarez e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 23/10/2005, Economia, p. 31

Governo segura 97% de verbas para agropecuária e ameaça exportações de US$17 bi

Aeconomia que o governo obteve com os cortes no Orçamento do Ministério da Agricultura pode custar muito caro ao país. Os focos de febre aftosa descobertos no Mato Grosso do Sul e no Paraná trouxeram à tona, dizem especialistas, a fragilidade da política governamental de combate e prevenção de pragas e doenças na agricultura e na pecuária, duas áreas com forte influência na balança comercial. Levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que o governo reteve 97% dos recursos destinados a 20 programas da área de vigilância fitossanitária, obtendo economia de R$107 milhões que pode comprometer exportações de US$17,3 bilhões.

Esta é a soma das vendas ao exterior de carnes (bovina, frango, suínos), frutas, açúcar, cacau, café, soja e suco de laranja nos primeiros oito meses do ano. Todos esses produtos estão sujeitos a pragas e doenças que exigem controle e combate permanente, mas a política de contenção de gastos tem, na prática, inviabilizado essas ações. De um total de R$109,9 milhões em recursos destinados a esses programas, apenas R$2,818 milhões (2,56%) foram liberados até setembro.

A falta de recursos para o combate à febre aftosa é só um exemplo da política de cortes de gastos, às vezes pouco criteriosa, segundo críticas de analistas, parlamentares e empresários, que atinge programas do Ministério da Agricultura e boa parte dos investimentos do governo.

Fruticultura: só R$ 91 mil liberados

O combate a outras doenças que atacam o gado brasileiro, como a tuberculose e a brucelose (doença infecciosa que pode ser transmitida ao homem), também está comprometido com a retenção dos recursos do Orçamento. Este ano foram destinados R$2 milhões a esse programa, mas até setembro somente R$126 mil tinham sido liberados (6,46%). Para o controle do mal da vaca louca, que já dizimou rebanhos da Europa, o Ministério reservou R$2,5 milhões, mas até setembro só 13,6% desses recursos foram liberados.

As exportações de carne bovina chegaram a US$2,1 bilhões entre janeiro e agosto deste ano. E os prejuízos provocados pela febre aftosa para o comércio exterior e os produtores, estimados inicialmente em US$1 bilhão, ainda são imensuráveis com a descoberta de novos focos e o bloqueio de mais de 40 países às importações do produto brasileiro.

Os números do Orçamento mostram que o programa de prevenção, controle e erradicação das doenças da avicultura recebeu R$3 milhões no Orçamento de 2005, mas apenas R$144 mil foram liberados até setembro, o que corresponde a 4,8% do total. O país exportou até agosto US$2,3 bilhões em carnes de frango e peru, mas, em tempos de gripe aviária, a preocupação dos importadores com o controle sanitário aumentou, como também os riscos em torno dessas espécies.

As pragas no campo são outra ameaça à economia e às exportações brasileiras. Os números do Orçamento do Ministério da Agricultura mostram que os recursos para o combate às pragas na lavoura também foram fortemente reduzidos em nome do ajuste fiscal. O programa de prevenção e controle de pragas na fruticultura teve uma dotação aprovada de R$1 milhão, mas só R$91,7 mil foram liberados até setembro (9,1%).

Para erradicar o cancro cítrico, doença que causa lesões em folhas e frutos nos laranjais, o ministério reservou R$3 milhões no Orçamento deste ano, mas liberou só R$61 mil (2%). O Brasil é o maior exportador de suco de laranja do mundo e, até agosto, as exportações do suco e de frutas reforçavam a balança comercial em US$890 milhões.

A soja é outro produto com grande peso na balança comercial ¿ as exportações este ano já somam US$6,5 bilhões ¿ que sofre com as pragas da lavoura. A ferrugem asiática (que queima as plantações) provocou perdas de R$6 bilhões aos produtores brasileiros em 2004, mas os recursos do governo para o combate às doenças que atacam essa cultura são escassos. O Orçamento dispõe de R$1,2 milhão para a prevenção e controle de pragas em oleaginosas e plantas fibrosas (categoria em que se enquadra a soja), mas apenas R$80,7 mil foram liberados até setembro, o que equivale a 6,7% dos recursos aprovados para o programa.

Com uma produção de 450 mil caixas por ano, o que o coloca como o segundo maior produtor de laranjas do Paraná, o agricultor Rogério Baggio afirma que o governo ¿não tem dado o devido valor¿ à agricultura. Na sua área de atuação, ele diz que faltam recursos tanto para prevenção de doenças (como o cancro) como para novas pesquisas.

¿ Nunca se fez tão pouco como agora ¿ afirma ele.

União da América do Sul seria alternativa

O cancro cítrico, que pode levar à perda da fruta, tem sido registrado em estados como São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Pará. Baggio diz que os produtores começam a se preocupar com o aparecimento de outras pragas. Uma delas é a ¿pinta-preta¿, que há dois anos entrou no país por São Paulo.

O presidente da Federação de Agricultura e Pecuária no Mato Grosso do Sul, Leôncio de Souza Brito Filho, defende a criação de um programa conjunto para combate e erradicação de doenças em toda a América do Sul. Ele dá como exemplo os Estados Unidos, que em 1940 usou US$400 milhões para combater a febre aftosa na fronteira com o Canadá e o México.

¿ Há inúmeros interesses (no contingenciamento de verbas). Existe a área econômica do governo, que segura os recursos (para aumentar o superávit fiscal). Existe uma enorme burocracia.

Segundo ele, no Mato Grosso do Sul os produtores gastam em média R$20 por cabeça de gado com vacinação. Já o repasse direto feito pelo governo federal é de R$0,047 por cabeça. O governo do estado, que em parte depende de repasses da União, contribui com R$0,60.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Agricultura não se manifestou sobre os cortes no Orçamento que ameaçam o controle e combate de pragas e doenças na agricultura e pecuária.

GOVERNO INVESTE A METADE DO QUE DEVERIA EM INFRA-ESTRUTURA, na página 32