Título: BRASIL VOTA PELAS ARMAS
Autor: Carolina Brígido, Lydia Medeiros e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 24/10/2005, O País, p. 3

`Não¿ obtém 63,9% dos votos válidos e derrota o `Sim¿ com vantagem de 27,8 pontos

Na maior consulta popular realizada no país, o voto favorável à liberação do comércio de armas obteve uma vitória arrasadora: até as 23h02m, apurados 98,3% dos votos, o ¿Não¿ tinha 63,9% dos votos válidos ¿ descontados nulos e em branco ¿ contra 36,1% do ¿Sim¿. A diferença de 27,8 pontos percentuais foi muito superior à apontada pelos institutos de pesquisa. A abstenção ficou em 21,6%. Houve 1,6% de votos nulos e 1,4% de votos em branco.

Foi um recado claro de insatisfação com a política de segurança do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dos governos estaduais. O ¿Não¿ venceu em todos os estados. A maior vitória foi no Rio Grande do Sul. No estado onde estão as principais fábricas de armas e munição do país, 86,8% dos gaúchos se opuseram à proposta de proibição da venda de armas. Apenas 13,1% votaram ¿Sim¿.

-¿ A população entendeu perfeitamente que não deveria abrir mão de seu direito. A maioria silenciosa que não apareceu nas pesquisas estava a favor da liberdade de opção ¿ disse o deputado Luiz Antonio Fleury (PTB-SP), um dos coordenadores da Frente Parlamentar Pela Legítima Defesa.

¿ Foi acachapante. Creio que 90% da população não gosta, tem medo, foge das armas, mas ao dizer que não pode proibir, indica que não se sente segura em relação aos organismos de segurança pública ¿ disse o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), relator do Estatuto do Desarmamento e defensor do ¿Sim¿.

Para o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Frente Brasil sem Armas, a partir do referendo, a discussão sobre segurança pública e violência vai mudar a pauta das eleições de 2006. Segundo ele, a população vai cobrar mais dos governantes:

¿ Arrombamos a porta do faz-de-conta. União, estados e municípios fingiam que a questão da segurança não era com eles. Não há mais a menor possibilidade de um candidato à Presidência deixar de propor um programa eficaz de segurança.

Deputado teme guinada para direita

O vice-presidente da Frente Brasil sem Armas, deputado Raul Jungmann (PPS-PE), disse que viu no resultado o primeiro efeito visível de uma maré conservadora que avança no país:

¿ O conjunto de forças políticas de centro-esquerda está se apartando da sociedade civil. Se não houver, do centro para a esquerda, uma reciclagem, o Brasil pode dar uma guinada para a direita.

Na sede do Viva Rio, defensores do ¿Sim¿ acompanharam o resultado da apuração em clima de tristeza e decepção. Muitos choraram. O coordenador do Viva Rio, Rubem Cesar Fernandes, disse que a frente do ¿Sim¿ não vai sair desmoralizada:

¿ O ¿Não¿ foi inteligente porque atraiu o não a muitas coisas: referendo, governo, instituições e polícia, uma insatisfação generalizada. Mas o ¿Sim¿ é homogêneo e coerente.

Para Fleury, a população mostrou a insatisfação com a violência. Ele disse que irá unir parlamentares e ONGs das duas frentes e cobrar do ministro do governo a implantação de políticas de segurança:

¿ A vitória do `Não¿ é um alerta: ou a segurança pública deixa de ser o patinho feio das políticas sociais.

Jungmann criticou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por contigenciar verbas para segurança pública.

¿ É preciso haver, durante alguns anos, vinculação entre fontes de receita e despesa, a exemplo do que já existe na saúde e na educação.

Segundo Greenhalgh, o resultado obriga o Estado a fiscalizar o cumprimento as restrições ao uso de armas:

¿ É preciso fiscalizar o porte de armas, as empresas que vendem armas, fiscalizar o comércio. Existem 1,2 mil pontos de vendas de armas de fogo .

Fleury disse não acreditar que a vitória do ¿Não¿ vá provocar uma corrida à compra de armas:

¿ O Estatuto já torna a compra da arma uma gincana dificílima. Ele não será flexibilizado e já dá todos os instrumentos para impedir a corrida armamentista que o pessoal do `Sim¿ diz que vai haver. Acho que não leram o Estatuto.