Título: CASUÍSMO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 14/12/2005, O País, p. 4

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, está mesmo disposto a enfrentar as artimanhas políticas de seu maior adversário dentro do PSDB, o prefeito paulistano José Serra. Ao se declarar contrário ao fim da reeleição na entrevista ao ¿Roda Viva¿, a qual abriu com uma sinceridade que surpreendeu seus entrevistadores, assumindo com um sonoro ¿sou¿ a condição de pré-candidato à Presidência da República, Alckmin mostrou-se disposto a inviabilizar uma manobra política que intenciona isolá-lo no partido.

O fim da reeleição, que está sendo negociado por setores do PSDB com o PT, apresentado como um projeto político de alta relevância, na verdade tem o objetivo de resolver questões internas dos tucanos. Não passa de um casuísmo com endereço certo.

Ampliar o mandato presidencial para cinco anos sem reeleição serviria como uma luva aos projetos do governador de Minas, Aécio Neves, que, reeleito para um mandato também de cinco anos, poderia disputar a Presidência com o cacife de governador do segundo maior colégio eleitoral do país. Caso a reeleição continue, e um candidato do PSDB vença em 2006, Aécio teria que esperar quatro anos no Congresso, possivelmente como senador, para tentar disputar a Presidência, concorrendo com novos governadores e um outro quadro político.

Propondo o fim da reeleição e a ampliação para cinco anos dos mandatos de presidente e governadores, o grupo de Serra atrairia para sua candidatura o governador mineiro e isolaria Alckmin, que hoje conta com a simpatia tanto de Aécio quanto do presidente do partido, senador Tasso Jereissati. Alckmin teria que, ou permanecer no governo e depois ser ministro de Serra, ou concorrer ao Senado. Mesmo vitorioso, perderia força política interna para disputar a sucessão com o governador de Minas em 2011.

Na hipótese de Alckmin vir a ser o candidato do PSDB no próximo ano, em 2011 disputariam o posto de candidato tucano o governador Aécio Neves e o prefeito José Serra, se os dois se reelegerem. Uma briga de foice que não interessa a qualquer dos dois. A proposta, portanto, seria isolar agora Alckmin.

A tese oficial é que o sistema de reeleição não deu certo, pois coloca para o eleito a tarefa imediata de pensar na sucessão logo após a eleição, submetendo suas ações políticas a esse objetivo. Há, no entanto, um ponto fraco nessa argumentação: como é possível dizer que a reeleição não funcionou no Brasil se a experiência é recentíssima, e na verdade temos apenas um caso, o de Fernando Henrique Cardoso?

Mesmo a tese do presidente Lula, de que o segundo mandato é sempre pior que o primeiro, é passível de contestação. É verdade que há quem ache que, ao empenhar seu cacife político na reeleição, o então presidente FH se desgastou, perdendo prestígio em seu segundo mandato, tendo que se submeter a pressões fisiológicas dos partidos que o reelegeram. Até hoje o peso desse desgaste é sentido nas acusações petistas de que a reeleição foi obtida à base de compra de votos no Congresso.

Há, porém, argumentos favoráveis ao segundo mandato, a começar pelos que apontam a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime de metas de inflação e a aprovação de uma reforma previdenciária inicial como sinais de que o segundo governo FH, de 1999 a 2002, foi eficiente e justificou o empenho pela reeleição.

Pode ser que se colocando contra o fim da reeleição, com o argumento correto de que a experiência ainda não foi sedimentada na política brasileira para que se determine sua extinção, o governador de São Paulo fique isolado da mesma maneira dentro do partido, que parece estar dominado pela idéia de um mandato apenas de cinco anos de duração. Como também o PT prefere esse formato, com a vantagem de que o presidente Lula poderia disputar a reeleição para um mandato maior, começa a haver um consenso na classe política a favor da idéia.

Mas Alckmin pode acabar com a opinião pública a seu lado se ficar patente que essa alteração nas regras eleitorais, antes de atender a um aperfeiçoamento institucional, busca resolver uma situação interna do PSDB, como começa a ficar claro. Além do mais, existem tantos problemas de compatibilização de datas eleitorais, que dificilmente essa manobra surtirá os efeitos desejados.

Pelas conversas que estão circulando nos meios políticos, os mandatos dos congressistas não seriam alterados, o que quer dizer, de cara, que teremos eleições em 2010 para o Congresso, em 2011 para a Presidência da República, e em 2012 para as prefeituras. Eleições tão descasadas assim são receita de paralisia administrativa na certa. Corremos o risco de ficar três anos sem aprovar projeto nenhum.

Se já é difícil em nosso sistema pluripartidário um presidente se eleger com a maioria do Congresso, imagine o que um presidente eleito com o Congresso em pleno funcionamento terá que fazer para montar uma coalizão que lhe permita governar?

Como lá por 2013, no segundo ano de mandato, a eventual lua-de-mel do eleitorado terá passado, o presidente não vai ter apoio político para aprovar qualquer reforma controversa. O mandato dos governadores indo para cinco anos, a coincidência com os mandatos dos deputados estaduais acabaria também, reproduzindo no nível estadual os problemas de afastamento do governante com a base parlamentar.

Como não se fala em aumentar também os mandatos dos prefeitos, poderemos ter a coincidência de eleições de presidente com as de prefeitos e vereadores. Nesse caso, o que terá maior relevância no debate político, os temas locais ou os nacionais? E os senadores, que representam os estados da federação, mantendo os oito anos de mandato, seriam eleitos longe do presidente da República.

Como se vê, é um quebra-cabeça muito complicado para ir adiante por simples capricho de grupos políticos.