Título: `Governo está aquém da expectativa¿
Autor: Marco Aurélio Garcia
Fonte: O Globo, 18/12/2005, O País, p. 3

Assessor especial diz que, na eleição, será preciso admitir que Lula não fez gestão `de sonho¿

Assessor especial da Presidência e vice-presidente nacional do PT, o professor Marco Aurélio Garcia é há muitos anos um dos homens de confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta condição, participou da elaboração dos planos de governo de Lula nas campanhas de 1994, 1998, 2002 e é um dos mais cotados para integrar sua equipe na eleição de 2006. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que a falta de informações sobre o funcionamento do governo levou o PT a fazer promessas que não cumpriria. Segundo ele, se quiser vencer a eleição em 2006 Lula terá que admitir publicamente que não fez ¿aquele governo dos sonhos¿ do PT.

Em 2002 o PT derrubou a rejeição a Lula, mas pesquisas mostram que a rejeição voltou com a crise. Como enfrentar isso?

MARCO AURÉLIO GARCIA: Há diversas formas. A primeira delas é fazer uma difusão maciça das realizações do governo. A sociedade não dispõe de todas as informações sobre as realizações do governo. No momento que tiver estar informações, ficará claro que este não é aquele governo dos sonhos, não é o governo que prometemos, mas é sem dúvida um grande governo, muito melhor que o governo anterior. Teremos que ter a franqueza de dizer que este governo está aquém das nossas expectativas e esperanças. O que teremos que dizer é que, cumprida esta etapa, estamos em condições de realizar as outras transformações para enveredar o país em uma rota de crescimento mais acelerado. O governo Lula não pode somente ser o governo que controlou a inflação. Tem que ser o governo que vai acentuar cada vez mais esses indicadores sociais positivos que não são muitas vezes percebidos pela população.

O senhor defende mudanças na campanha, sobretudo no que diz respeito à participação dos publicitários?

GARCIA: Para o PT será uma campanha totalmente nova, pois pela primeira vez participaremos de uma eleição presidencial como partido do governo. Participei de três programas de governo e é óbvio que a retórica e a forma pela qual se organiza um programa de governo na oposição são uma e estando no governo são outra. Tínhamos uma dificuldade muito grande de informações sobre o funcionamento do governo. Em termos de marketing, não sabemos como vai ficar a questão da mudança na lei partidária. Tenho impressão que não haverá tempo para introduzir as mudanças propostas, como abolição de efeitos especiais. Prefiro que isso ocorra. Lula é um candidato que tem neste particular uma vantagem inexcedível: é um grande comunicador. O melhor envelope para o nosso programa é ele mesmo.

Essas dificuldades na obtenção de informações explicam as promessas não cumpridas pelo PT no governo?

GARCIA: O não cumprimento de promessas corresponde a diversos fatores. Entre eles, as nossas limitações e dificuldades. Não há como negar. Uma das questões fundamentais em que a informação seria decisiva seria se soubéssemos exatamente em que estado se encontrava o país. Em 2002 estávamos em uma situação, do ponto de vista macroeconômico, gravíssima. Isso nos obrigou a enfrentar em primeiro lugar a estabilização da economia. Deveríamos ter exposto esse dado de forma mais clara à sociedade, para que ela entendesse que o ritmo das mudanças que queríamos realizar não seria tão pronunciado quanto desejávamos e apregoávamos. A falta de informação obviamente foi importante.

O senhor ajudou a redigir a resolução do PT que faz críticas à política econômica e pede redução da meta de superávit primário?

GARCIA: Não. O texto tem minha participação no sentido de que fiz uma descrição de realizações do governo que não constavam do texto original. Fiz isso juntamente com o senador Aloizio Mercadante e votei a favor da emenda apresentada por ele que tirava o pedido de redução do superávit primário. A emenda foi derrotada por 34 votos a 35.

Por que pessoas do PT dizem que o senhor age para derrubar o ministro Antonio Palocci?

GARCIA: Tem um personagem concreto, que não vou revelar o nome, que está se encarregando de tentar criar uma incompatibilidade minha com o ministro Palocci.

Mas são pessoas do próprio PT.

GARCIA: Se são pessoas do partido posso lhe dizer quem são. São os maus petistas. Pessoas que não são do partido e pegaram carona no governo estão alimentando esse tipo de polêmica, valendo-se de um acesso privilegiado aos meios de comunicação. Isso explica por que me foram atribuídas posições que não defendi. Concordo com os pontos centrais da política econômica e em alguns pontos tenho divergência, principalmente com certo discurso conservador que tenta encobrir os êxitos da política econômica.

Qual seria a motivação dessas pessoas?

GARCIA: Os personagens não petistas provavelmente acham que estão fazendo um serviço para o Palocci. Mas estão fazendo um desserviço. É um comportamento de certa forma servil, ou mais do que isso, um tipo de articulação de bastidores que não corresponde ao meu estilo. Eu não conspiro. O que tenho que fazer, faço de forma aberta.

Houve alguma reação negativa no governo à resolução do PT?

GARCIA: Não. Falei com o presidente Lula e ele disse que o texto é absolutamente normal e que no fundo está ocorrendo até uma coisa boa que é o PT ter uma posição própria e não ficar submisso ao governo. Por sinal, quando utilizei a expressão vaca de presépio, foi neste sentido. Um dos erros da direção anterior foi justamente ter se transformado em uma correia de transmissão do governo. Falo isso com muita autoridade porque, além de ser dirigente do PT, sou do governo.

O que o senhor acha da proposta de alguns setores do PSDB de acabar com a reeleição e aumentar o mandato para cinco anos?

GARCIA: Esta é a posição do presidente Lula. Ele tem dito que acha um mau negócio a reeleição. Quem reduziu o mandato de cinco para quatro anos foi o PSDB porque temia que o Lula fosse eleito presidente. Depois, quando Fernando Henrique foi eleito, como os quatro anos ficaram curtos houve todo aquele escândalo, aquilo sim um verdadeiro escândalo, que foi a reeleição. Que até hoje não foi averiguado. Ao que tudo indica, essa nova proposta é uma espécie de mata-mata que está funcionando no PSDB para acomodar mais interesses de médio e longo prazos. Eu gostaria de discutir mais esse princípio.

Evo Moralez disse em entrevistas que, se eleito presidente da Bolívia, cobrará a devolução das refinarias de petróleo sob controle da Petrobras. Como o governo tratará o assunto?

GARCIA: O que ele nos disse no Brasil não foi isso. Ele disse que quer comprar, estatizar as refinarias. Haverá uma negociação, um processo. Imagino que não podemos devolver. Devolve quem roubou uma carteira. A Petrobras está instalada na Bolívia de forma legal e há um marco legal que deve ser respeitado. Evidentemente o governo tentará, na base da lei de hidrocarbonetos, estabelecer um mecanismo de controle maior do Estado boliviano sobre as riquezas minerais do país. A Petrobras está preparada para isso. Não vejo nas saídas racionais problemas maiores e acredito que o novo governo boliviano, seja o Evo, seja outro candidato, terá a sabedoria de adotar um mecanismo. Não se trata do ¿companheiro Lula¿, mesmo que ele quisesse. Não se trata de dar as refinarias de presente, elas tiveram um custo. Será negociado de forma racional. Linguagem de campanha é outra coisa, temos que ver como isso foi interpretado.