Título: `O APARELHAMENTO DA MÁQUINA É A HERANÇA MALDITA DE LULA E DO PT¿
Autor: Sueli Costa
Fonte: O Globo, 27/12/2005, O País, p. 4

Governador diz que 2005 fica marcado como o da mais profunda crise ética

Sem descartar a possibilidade de disputar a Presidência da República, o governador tucano de Minas, Aécio Neves, diz que a grave crise política que abalou o governo Lula e o Congresso este ano pode ter conseqüências mais graves para a população do que o impeachment de Collor, porque o PT prometera mudanças e despertara esperança no povo. Para Aécio, porém, o PT cometeu um ¿erro enorme¿ ao usar o governo para tentar se consolidar como partido.

A crise no PT e no governo Lula mudou os rumos da política?

AÉCIO NEVES: No plano nacional, 2005 será marcado como o ano em que vivemos a mais profunda crise ética da História recente do país. Talvez até com maiores conseqüências no sentimento da população do que o impeachment do presidente Fernando Collor em razão das esperanças que o presidente Lula e seu partido sugeriram para a população. Temos aspectos extremamente negativos de um governo que se propunha diferente e com um novo modelo de gestão, e isto não ocorreu. Mas temos aspectos positivos e ressalto o da fortaleza de nossas instituições. Fica claro que o Brasil é uma democracia madura, no qual as crises políticas são resolvidas num ambiente político, sem que em qualquer momento as instituições estivessem em risco. Se não avançamos muito na questão econômica, ela não foi contaminada pela extensão da crise política. Fica aí o alerta para as gerações futuras e para a urgência absoluta de uma reforma política que dê aos partidos maior sintonia e maior representatividade na sociedade.

O PT perdeu seu principal discurso?

AÉCIO: O PT frustrou seus eleitores e o país, até porque durante toda a sua história o PT se auto-intitulou o arauto, o exclusivista da moralidade, e paga altíssimo preço até por sua arrogância em determinado momento da História. Reconheço sempre o importante papel que o PT teve, desde a reconstrução da democracia, na organização sindical , na militância de base. Mas o PT sempre foi muito intransigente na oposição. Em busca da hegemonia partidária, o PT, em vez de ser instrumento para transformar o país, quis usar o governo federal para consolidar o partido. Um erro enorme. O aparelhamento da máquina federal pela militância do PT é um prejuízo pelo qual o Brasil vai pagar um preço caro durante muitos anos, porque não se recompõe a qualidade da máquina pública com rapidez. Esta é uma herança maldita, termo que o presidente Lula gosta de usar. O PT deixa uma herança maldita. Vi recentemente uma pesquisa que mostra que mais de 70% da população consideram o PT igual ou pior que os outros partidos. Acho que o PT terá que fazer uma grande reflexão, repensar o seu papel, analisar, fazer um mea-culpa. Não acho bom para a democracia que o PT deixe de existir como alternativa de poder, mas precisará se reciclar e ter a humildade necessária para reconhecer os erros. Mais do que ao presidente Lula, será cobrado um preço alto do PT pelo desvio de conduta.

O ex-ministro José Dirceu pagou pelo erro do PT?

AÉCIO: Ele tinha o poder político, era o grande gerente do governo e não é possível que todos esses desvios, neste volume, pudessem ter ocorrido sem o mínimo de conhecimento das principais autoridades do partido e do governo. Ele se transformou num símbolo de tudo isso que ocorreu. O PT confundiu interesses partidários com interesse público, uma mistura explosiva. O despreparo aliado ao descompromisso com a ética de setores do PT, aliás, o despreparo de boa parte de seus gerentes está levando o Brasil a perder uma excepcional oportunidade de crescer a índices mais próximos dos de países vizinhos ou em desenvolvimento.

E o presidente Lula?

AÉCIO: O presidente tem sua parcela de responsabilidade. Não digo em desvio ético, em caixa dois. Mas ele é o presidente da República, e no presidencialismo é absolutamente fundamental que o presidente tenha noção do que ocorre em seu governo. O que se esperava é que seu partido tivesse quadros adequados para auxiliá-lo no governo. E o que vemos é que o PT falhou na gestão e que os quadros do PT são absolutamente despreparados para o desafio de governar um país como o Brasil.

Como fica o PSDB nesse processo? O partido pode contornar as brigas internas para escolher o nome que vai fazer frente ao PT?

AÉCIO: Estou longe de imaginar que o PSDB já ganhou essas eleições. Acho que será muito disputada. Não podemos desprezar a capacidade do presidente Lula de se comunicar com uma parcela expressiva da população. O PSDB tem a oportunidade excepcional para chegar à Presidência, mas para isso não pode estar preocupado só com seu candidato. Estou convencido que a escolha será feita com algum consenso. O PSDB precisa de um projeto, e não enxergar apenas o passado. Precisa apresentar ao país um novo projeto baseado nos êxitos das nossas administrações, com uma visão mundial e adequada na segurança que dará aos mercados, o que é importante para fazermos uma inflexão na política econômica para possibilitar a retomada do crescimento de forma mais vigorosa do que a que estamos assistindo.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, já se lançou. O prefeito José Serra trabalha nos bastidores. O senhor está na disputa?

AÉCIO: É uma virtude o PSDB ter três ou mais nomes em condições de disputar. Uns parecem ter maior força na pesquisa, seja no recall das últimas eleições, seja pelas movimentações maiores que vem fazendo. A partir de março vamos escolher, e não será aquele que simplesmente queira ser o candidato. Será candidato aquele que consiga conjugar um leque de características que têm chances de vencer as eleições e de construir a governabilidade sustentada forte no Congresso para um projeto de governo. O que tenho dito aos companheiros de partido, sobretudo aos de São Paulo, é que o PSDB cresceu, é outro partido, nacional, e é preciso apresentar ao país um projeto nacional. Se o nosso candidato, e isso pode acontecer, vier a ser de São Paulo, é preciso mostrar uma atenção muito grande com o restante do país. Um nome de Minas Gerais é natural. Se a decisão em março for nesta direção, estaremos preparados para isso. Se não for, ele estará preparado para construir a unidade, ser um dos artífices desta unidade até chamando à responsabilidade aqueles que eventualmente possam relutar.