Título: O XADREZ DO PMDB
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 06/01/2006, O País, p. 4

A decisão do futuro do PMDB na corrida presidencial teve lances importantes neste final de ano, e é talvez a peça fundamental para a armação do xadrez político da sucessão. Ao mesmo tempo em que o ministro Nelson Jobim deixou transparecer que se aposentará do Supremo quando terminar seu mandato de presidente, em fins de março, o ex-governador Garotinho recebeu um telefonema cordial do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A decisão de Jobim, que já teria sido comunicada ao presidente Lula, está sendo interpretada pelos líderes do PMDB como a aceitação do convite do partido para que dispute as prévias que indicarão o candidato do partido à Presidência da República.

O telefonema de Fernando Henrique significa, no momento, o desejo do PSDB de manter os canais abertos para negociações futuras com o PMDB, caso Garotinho seja mesmo o candidato do partido à Presidência. Se o candidato for Jobim, os canais estão automaticamente abertos, pois ele foi indicado para o Supremo por Fernando Henrique e é amigo do prefeito paulistano José Serra. Esse é o segundo contato que Garotinho tem com a cúpula do PSDB. Antes, almoçara com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, um dos postulantes a candidato tucano na corrida presidencial.

Uma das possibilidades, sendo Garotinho candidato, é que num segundo turno seus votos sejam fundamentais para a definição da disputa entre PT e PSDB. A questão é que o PMDB quer ter esse papel, mas não através de Garotinho. A aceitação tácita de Jobim seria um dos motivos para que a realização das prévias do PMDB seja adiada, e na reunião da executiva nacional do partido no próximo dia 24 essa carta estará na mesa.

A entrada em cena de Jobim é a razão principal. Outra, mais prosaica, mas nem por isso menos influente, é o fato de que a data prevista, o dia 5 de março, é o primeiro domingo depois do Carnaval. Como os convencionais do PMDB poderão sair do desfile das campeãs para as urnas?, pergunta uma raposa política interessada em adiar as prévias, cuja realização no início de março só interessa hoje a uma pessoa, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho.

Ele vai para a reunião da executiva sabendo que ali estará sendo jogada uma cartada decisiva: se conseguir impor março como data-limite para a realização das prévias, terá mostrado sua força aos convencionais peemedebistas. Se perder, se manterá na disputa, mas terá que assumir mais claramente uma anticandidatura contra a cúpula do partido, o que não é um bom prenúncio.

Ele tem conseguido manter acesa a perspectiva de a prévia se realizar em 5 de março, o que não atende à grande maioria do partido, que quer uma candidatura própria, mas não a dele. Os governadores não querem, os políticos que estão apoiando o governo, comandados pelos senadores Renan Calheiros e José Sarney, também não, e muito menos Orestes Quércia, com a inesperada força da pesquisa que o coloca em primeiro na disputa pelo governo do Estado de São Paulo.

Mantendo-se esse calendário, Garotinho disputaria praticamente sozinho. A alternativa a ele é o governador Germano Rigotto, que não galvaniza o sentimento majoritário do partido. Rigotto, aliás, tem uma posição especial dentro dessa disputa: não tem avaliação positiva para uma possível reeleição no Rio Grande do Sul, mas pode inviabilizar uma eventual candidatura de Nelson Jobim se não houver um acordo no Rio Grande do Sul. No entanto, se uma candidatura de um gaúcho a presidente reforçar sua posição diante do eleitorado local, pode ser que Rigotto tente continuar no governo do Rio Grande do Sul.

Um argumento para os que querem adiar a decisão é que não tem sentido o PMDB definir sua candidatura antes dos outros partidos, quatro meses antes do prazo final das convenções, que é junho. Há outras negociações em curso, como uma conversa tripla em andamento sobre o governo paulista: o PFL quer que o PSDB apóie seu candidato, e o PMDB também gostaria desse apoio.

Mas parece impossível um acerto nesses termos, pois os tucanos paulistas não abrem mão de ter uma candidatura própria. O PMDB tem força regional, disputa como favorito ou com boas chances em praticamente todos os estados, em muitos deles coligado com o PSDB.

Por isso, se a verticalização for mantida pelo Tribunal Superior Eleitoral, o mais provável é que o partido desista de ter candidato próprio, ou seja levado a se coligar com o PSDB, pelos interesses regionais em jogo. Nesse caso, especialmente se o candidato for mesmo José Serra, repetir a dobradinha PSDB-PMDB seria viável. A possibilidade de coligação com o PT, com que sonha o presidente Lula, é mais remota pois dificilmente as forças regionais dos dois partidos se harmonizariam.

A estrutura nacional do PMDB é mais forte do que a do PFL e do PSDB, mas ele não tem capacidade de fazer acordos que deságüem em uma aliança nacional em torno de um candidato de consenso, o que seria a maneira ideal para Jobim aceitar a candidatura.

Se a prévia se realizar no dia 5, ou ainda em março, Jobim estaria fora porque não poderia ter feito um trabalho político junto aos convencionais na qualidade de ministro do Supremo. Jarbas Vasconcellos, governador de Pernambuco, ou Joaquim Roriz, de Brasília, que não podem se candidatar novamente ao governo, são potenciais candidatos à prévia depois de março.

O PMDB se propõe a continuar garantindo a chamada governabilidade, apoiando as ações do governo no Congresso, mas não permanecerá no Ministério na reforma ministerial, que por isso deverá ser feita mais adiante, em março ou abril, pois será, sobretudo, a saída do PMDB do governo.