Título: SINTONIA FINA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 12/01/2006, O País, p. 4

Não existe ainda a sensação de que haverá um impasse para a escolha do candidato do PSDB à Presidência da República, mas a atitude do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, de se mostrar disposto a esticar a corda, se for preciso, para manter sua postulação, certamente é uma surpresa para a cúpula tucana, que não estava mobilizada para ter que intervir na escolha tão cedo.

O presidente do partido, senador Tasso Jereissati, está em viagem de férias no exterior, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenta se recolher para dar os toques finais no livro sobre seus oito anos na Presidência da República.

A reunião de ontem do governador Alckmin com o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, foi uma tentativa de outro passo adiante, para pelo menos se igualar ao prefeito paulistano José Serra, que já havia se recomposto com os pefelistas e recebido o apoio explícito do prefeito do Rio, Cesar Maia. Uma hipótese que parecia remota, a de Alckmin se dispor a disputar a indicação em uma convenção do PSDB, hoje já é uma possibilidade a ser levada em conta, embora remota.

Há o entendimento generalizado no partido de que, neste caso, José Serra não se disporia a deixar a prefeitura, pois não teria argumentos para apresentar aos eleitores. Toda a estratégia de Serra está baseada na necessidade de vir a receber um apelo dos tucanos - e quem sabe até mesmo do PFL - para disputar a Presidência, por ser o único oposicionista com condições de vencer Lula. Teria assim uma desculpa política para justificar o abandono da prefeitura pouco mais de um ano depois de assumir prometendo que não a faria de trampolim para alcançar a Presidência da República, como acusava o PT na campanha eleitoral.

Além do mais, ao deixar vazar que não se interessa por outro cargo que não seja a Presidência, o governador Geraldo Alckmin também inutiliza uma outra estratégia dos serristas, que seria ele ficar no governo paulista até o final do mandato, não apenas para apoiar a campanha eleitoral de Serra, como para preparar a eleição do sucessor, sem deixar que o PFL usasse o período em que estaria no governo com o vice Cláudio Lembo para fortalecer uma candidatura própria. Em troca, o PFL ficaria à frente da prefeitura paulistana por três anos.

Aproveitando-se da disputa interna insuspeitada meses atrás, o senador Bornhausen colocou ontem no tabuleiro o apoio tucano a uma candidatura do PFL ao governo de São Paulo, o que é uma heresia para o tucanato paulista. Mesmo que Alckmin ficasse tentado a usar essa carta para conseguir o apoio do PFL, teria a rejeição partidária. Para levar às últimas conseqüências sua postulação, o governador Geraldo Alckmin teria também que assumir a responsabilidade por uma derrota, que não pode ser descartada nem por ele nem por Serra. Por isso, a decisão tem que ser colegiada, e não individual.

O governador de Minas, Aécio Neves, um potencial beneficiário de uma divisão mais acentuada no ninho tucano, já se referiu a "individualismos" a serem evitados. O fato é que ainda não há o sinal vermelho dentro do PSDB, mas apenas passos mais audaciosos por parte de Alckmin, para demonstrar sua disposição de fazer o partido aceitar o que considera a "naturalidade" da escolha que seu nome representaria. Não há quem considere que os dois candidatos sejam irresponsáveis politicamente a ponto de criar uma situação de crise que anule a vantagem que o PSDB tem no momento sobre o PT na disputa presidencial. E essa vantagem é representada hoje por José Serra, e não por Alckmin.

O que o governador de São Paulo está fazendo é aproveitar a liberdade de movimentos que tem para fazer articulações políticas às claras, o que Serra não pode ainda fazer. E, fazendo isso, Alckmin expõe uma faceta mais ousada de seu temperamento, e se torna mais conhecido fora das fronteiras do estado onde sempre atuou. Também ontem em São Paulo houve uma reunião da cúpula política do PSDB ligada a Serra, entre eles o deputado federal Márcio Fortes, o secretário Aloysio Nunes Ferreira e o líder Alberto Goldman.

A avaliação é de que não existe conflito insuperável entre os dois, e que a escolha natural obedecerá a critérios partidários, e não pessoais. Os dois se preocupam em passar à opinião pública a imagem de que não prejudicam São Paulo com suas disputas políticas, e um assessor de Alckmin é o primeiro a avaliar que o prefeito José Serra está sabendo se aproveitar dessa situação para conseguir mais apoio do governador para obras que interessam à cidade.

Se o governador tenta reduzir a importância das pesquisas eleitorais, avaliando que na campanha política tem potencial de crescimento maior até que o de Serra, do lado do prefeito já se fala em diferenças de imagem política que justificariam a dianteira de Serra em relação a Lula. Sua atual popularidade estaria refletindo o reconhecimento da população à sua estatura política, e não se deveria apenas à simples lembrança de seu nome devido à disputa de 2002.

Ser apenas "um bom gerente", como Alckmin se apresenta, não seria suficiente para enfrentar os desafios que o país tem pela frente. Gerente por gerente, Serra já teria demonstrado em diversas oportunidades que também é, desde quando foi secretário de Planejamento do governo Franco Montoro, passando pelo Ministério da Saúde e chegando à prefeitura, onde deu um choque de gestão nas contas públicas em menos de um ano de governo. Discute-se agora dentro do PSDB a estatura política de cada um dos postulantes, e a compreensão que têm do momento que o país vive.