Título: LULA E A OPOSIÇÃO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 20/01/2006, O País, p. 4

O presidente Lula está convencido de que a oposição só não pediu ainda o seu impeachment devido à sua popularidade, e também porque receia uma eventual reação dos chamados ¿movimento sociais¿. Analisa que é muito difícil tentar tirar do poder um presidente como ele, que teve uma votação enorme, e tem ainda muita influência popular. Lula chega a aceitar que o PT é muito culpado pelas radicalizações, por sua atuação quando oposição, e diz que agora os petistas sabem que não é possível fazer tudo de uma vez, ou até mesmo fazer tudo o que se quer.

Embora admita que a política brasileira amadureceu nestes últimos anos, Lula não aceita a tese de que a oposição está atuando com moderação, e cita sempre o senador Arthur Virgilio, líder do PSDB, como exemplo de oposicionista radical.

Diz também que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria se manter mais distante das disputas políticas. O único ex-presidente que mantém uma postura correta, segundo Lula, é o senador José Sarney.

Lula gosta de contar que presenciou certa vez alguém criticar a guerra do Iraque e perguntar ao ex-presidente Bill Clinton sua opinião. Clinton respondeu que não era hábito nos Estados Unidos um ex-presidente criticar a ação do outro. Lula ressalta que nunca se ouviu uma crítica do Bush pai à gestão de Clinton, o que possibilitou que os dois trabalhassem juntos em ações de ajuda às vítimas da tsunami na Ásia e das enchentes em Nova Orleans.

O presidente acha que ¿é demais¿ o que estão fazendo com ele, considerando que querem atingi-lo pessoalmente ¿de qualquer maneira¿ nesta crise. Quando fala da CPI dos Bingos, fica visivelmente irritado, e reclama da convocação do ex-dirigente petista Paulo de Tarso Venceslau, a quem se refere com palavras duras.

Venceslau repetiu na CPI o que vem denunciando desde 1995: que Lula sempre soube da existência do caixa dois nas eleições do PT, desde o tempo em que o partido só comandava algumas prefeituras do interior de São Paulo. Ex-guerrilheiro e fundador do PT, Paulo de Tarso Venceslau foi secretário de finanças da Prefeitura de São José dos Campos e denunciou a atuação de um compadre de Lula, o empresário Roberto Teixeira, junto às prefeituras paulistas.

Através de uma empresa de consultoria, ele prestaria serviços superfaturados e ajudaria no caixa dois das campanhas eleitorais petistas. Venceslau acusou também Paulo Okamotto, atual presidente do Sebrae, de ser um antigo operador desse esquema de caixa dois do PT, sempre sob as ordens de Lula.

Depois de seu depoimento, a CPI resolveu convocar para depor o empresário Roberto Teixeira, que emprestou uma casa para Lula morar durante muitos anos. No célebre debate da campanha de 1989, Collor fez referências a essa casa, dizendo que Lula possuía um aparelho de som mais moderno e sofisticado do que o dele. Na verdade, queria insinuar que Lula morava em condições não condizentes com as de um líder operário. Agora, novamente sua relação com o empresário está tendo visibilidade política.

A CPI vai também quebrar o sigilo bancário de Paulo Okamotto, que já depusera para explicar o nebuloso episódio do pagamento de uma dívida de Lula com o PT, que a oposição suspeita ter sido feito com dinheiro do caixa dois de Delúbio Soares. São dois amigos de Lula sob a mira da CPI, o que só reforça sua certeza de que a oposição não desistiu de envolvê-lo pessoalmente nos escândalos de seu governo.

Lula não se conforma também com o fato de a CPI dos Bingos estar investigando o assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André que seria o coordenador de sua campanha eleitoral em 2002. O presidente diz que foi aconselhado a entrar no Supremo Tribunal Federal para impedir que a CPI dos Bingos investigasse fatos alheios ao tema específico para o qual foi convocada, mas preferiu não interferir de maneira tão direta, para não ser acusado de tentar impedir as investigações.

Lula só espera os relatórios finais das CPIs ficarem prontos para tomar uma providência legal, que não sabe ainda qual será. Ele acha que, não havendo qualquer prova de seu envolvimento pessoal, poderá exigir uma reparação dos que o acusaram, atingindo sua honra. Era a isso que se referia quando, na entrevista ao ¿Fantástico¿, disse que esperava um pedido de desculpas da oposição.

Lula diz que somente uma Constituinte exclusiva, com tempo limitado, pode resolver a reforma política, que considera ponto crucial para a governabilidade do país. Quem fizesse parte da Constituinte não poderia ser eleito para o Congresso, para evitar que o corporativismo impeça a aprovação das reformas.

O sistema multipartidário brasileiro é criticado por Lula, que cita a dificuldade de um presidente obter controle do Congresso pelo voto. Ele lembra que teve 46% dos votos no primeiro turno e, no entanto, o PT elegeu apenas 17% da Câmara. Se as votações fossem proporcionais, o PT teria elegido cerca de 230 deputados, em vez de 91, e 37 senadores em vez de dez.

Da mesma forma, Lula acha que tem que haver mudanças na imunidade parlamentar, para permitir processos contra deputados e senadores em determinadas situações. ¿Por que um senador pode dizer que vai me bater, e eu não posso processá-lo?¿, pergunta o presidente, referindo-se a um discurso do senador Arthur Virgilio que, dizendo que sua família estava sendo perseguida pelos órgãos de informação do governo, ameaçou da tribuna do Senado bater pessoalmente no presidente Lula.

Evidentemente, essa é uma posição política do presidente, que muito o ajudará em uma eventual campanha pela reeleição. Dirá, como já disse em diversas ocasiões, que deixou que três CPIs funcionassem livremente, que puniu quem tinha que ser punido, e que não encontraram nada contra ele pessoalmente, embora tenham procurado. E anunciará diversos processos contra seus detratores.