Título: NAS MAÇAROCAS ELEITORAIS
Autor: Luiz Garcia
Fonte: O Globo, 20/01/2006, Opinião, p. 7

A

discussão é velha e sem fim: mandato presidencial curto com reeleição, ou longo e único?

O mais simples é dizer que qualquer um serve, desde que haja honestidade e espírito público. Simples e óbvio demais. Indo um pouco mais fundo na definição: bom mesmo será o sistema que propicie maior índice de governabilidade e menor vulnerabilidade a trapaças e malandragens.

Em possíveis discussões teóricas (como devem ser agora: o início do ano eleitoral não é momento para discutir mudanças imediatas nas regras do jogo), recomenda-se desprezar referências a modelos estrangeiros. Nenhum reproduz nossa estrutura política e social com semelhança suficiente para servir de modelo.

Diziam os antigos: cada roca tem seu fuso. Podemos acrescentar, pensando em coisas políticas, que cada fuso tem sua maçaroca (se alguém não sabe: emaranhado de fios que dão um trabalhão para separar antes de se pôr a roca em ação).

É, por exemplo, inútil buscar em sistemas parlamentaristas fórmulas e esquemas que possam ser adaptadas para o nosso particular presidencialismo. Também seria perda de tempo copiar num sistema multipartidário como o nosso (e botem ¿multi¿ nisso) a fórmula de um mandato com direito a uma reeleição que funciona num quadro praticamente bipartidário como o americano.

Mas nada disso é conversa para agora: este ano não estão em debate ou questão as regras do jogo: apenas sua interpretação e aplicação pela Justiça Eleitoral. A esta caberá vigiar para que o processo siga seu curso como manda a legislação, sendo esta aplicada com iguais níveis de sensatez e severidade ¿ combinação que, como sabemos, nunca é sopa.

O presidente da República, sendo candidato, estará fazendo campanha na inauguração de obras? Resposta incisiva: pode ser. Lula tem sua razão quando afirma que seus adversários certamente falarão das obras que ele prometeu e não fez. Portanto, ele teria o direito de mostrar aquilo que prometeu e fez. É seu direito. Veremos se o exerce com sobriedade.

Por exemplo, não permitindo que a União pague por transporte e estada de convidados eleitorais do chefe de Estado.

Seria hipocrisia impedir algum tom eleitoreiro nos discursos do presidente nas muitas viagens que misturarem obrigação e ambição. Mas não é demais exigir um mínimo de comedimento retórico sempre que presidente e candidato usem o mesmo boné. O candidato, se não quiser levar uma palmada do TSE, tem, de saída, a obrigação de limitar-se a temas referentes ao lugar e ao momento.

A mídia também deve ter cuidados com suas atitudes e seu produto. Notícia ou cobertura de qualquer inauguração de obra pública deve ¿ é óbvio ¿ ter como tema principal a importância da novidade para a comunidade, a diferença que representa para o povo. E tratar com discrição a discurseira. Não há melhor maneira de se prestar um serviço à sociedade sem tomar partido nem abrir espaços ingênuos para interesses políticos, partidários ou individuais.

A retórica política dos discursos e as presenças nos palanques têm importância à parte. O ideal é que seja discreta em ocasiões normais, e obsessivamente objetiva nas temporadas eleitorais.

Com esses e outros cuidados é possível produzir coberturas equilibradas de eventos públicos em temporadas eleitorais. Desde que, para começo de conversa, o jornalista não leve para o trabalho algum nome escondido na manga.