Título: CAI O FUNDAMENTALISMO DE MERCADO
Autor: CÂNDIDO GRZYBOWSKI
Fonte: O Globo, 21/01/2006, Opinião, p. 7

Muitas pessoas, inclusive integrantes do próprio movimento antiglobalização neoliberal, prognosticavam o esgotamento do Fórum Social Mundial (FSM). No entanto, estamos aí demonstrando vitalidade e criatividade. Surpreendendo, inovando, o Fórum chega cada vez mais perto da gente que sente na pele os efeitos de uma globalização feita sob medida para aumentar ganhos e lucros de grandes corporações econômico-financeiras. Desta vez, não só mostramos capacidade de crescer ¿ o último encontro do Fórum, em Porto Alegre, em 2005, contou com 155 mil pessoas ¿, mas estamos também nos multiplicando. Para este ano, há eventos em Bamako, no Mali, de 19 a 23 de janeiro, em Caracas, na Venezuela, de 24 a 29, em Bouznika, no Marrocos, de 27 a 29, em Karachi, no Paquistão, de 23 a 26 de março, isto sem contar os Fóruns Europeu, Asiático e os incontáveis fóruns nacionais e locais.

Enfim, como cogumelos, brotamos lá onde ninguém espera. Com dificuldades? Com problemas? Despertando novas contradições? Sem dúvida nenhuma. Mas que esperança estamos semeando mundo afora! A idéia de um Fórum Social Mundial Policêntrico, como o deste ano, mostra como esta inovadora aventura humana traz em seu bojo o comum sentido de humanidade na diversidade, a referência de todos os direitos humanos a todos os seres humanos, a consciência radical do bem comum maior da vida, a natureza e seus recursos, a compartir e preservar.

Chegamos à sexta edição do Fórum Social Mundial sempre com novos desafios. Surgimos em Porto Alegre, no Brasil, em 2001. Ninguém, então, poderia imaginar o poder galvanizador da idéia. Em plena América Latina, dominada pelo que havia de mais exacerbado em políticas de globalização emanadas do Consenso de Washington, contra o descrédito generalizado, afirmamos que ¿outro mundo é possível¿. Começamos aí a derrotar no plano do imaginário e dos valores o pensamento único fundamentalista do mercado como base de tudo.

Neste contexto, é de celebrar o fato que o Fórum Social Mundial se torne uma referência no cenário político mundial. Que governantes, representantes políticos e os tais ¿donos¿ do mundo se sintam obrigados a dar respostas a esta cidadania rebelde e constituinte do poder mundial, a seu modo, mostra o quanto de impacto já logramos. Que o Fórum Econômico Mundial, em Davos, no nosso contrapé, se obrigue a adotar temas de nossa agenda, como vem fazendo nos últimos anos, que cada vez mais a mídia se veja obrigada a nos noticiar, tudo isto devemos tomar como indícios de que perseguimos uma estratégia correta.

Muitos podem dizer que corremos riscos, abrimos flancos de incerteza. É evidente que mexemos com contradições ¿quentes¿, por assim dizer, como na Venezuela, que podem nos dividir por trazerem para dentro do Fórum tensões políticas de monta. Guiados por um sentido de radicalidade, dizemos que optar pelo caminho da democracia na transformação social é aceitar a diversidade, a diferença, o divergente.

Talvez o sentido mais profundo das novas frentes do Fórum Policêntrico estará mais claro na Assembléia do Fórum Social Maghrebino, em Bouznika, entre Rabat e Casablanca, no Marrocos. Ali participarão movimentos e entidades da sociedade civil de Marrocos, Argéria, Tunísia, do Saara Ocidental, da Mauritânia, além de comitês de migrantes maghrebinos da França, Holanda, Itália e Espanha, bem como representantes da Líbia, Egito, Palestina, Líbano e demais países do entorno. Na Assembléia se definirão as bases para viabilizar a realização de um grande Fórum na região. Estamos abrindo um caminho e lançando uma promissora semente para o diálogo da nascente cidadania planetária com o islamismo, a rica cultura árabe, os seus povos, tão estigmatizados e oprimidos no contexto da globalização excludente.

Enfim, o Fórum ganha o mundo e aceita enfrentar os desafios que a sua própria vitalidade e expansão implicam.

CÂNDIDO GRZYBOWSKI é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).