Título: PRATA DA CASA NA DISPUTA
Autor: Luciana Calaza
Fonte: O Globo, 22/01/2006, Boa Chance, p. 1

Recrutamento interno cresce nas empresas. Há multinacionais que oferecem vagas no exterior

Comunicados da empresa anunciam, em 150 países, que está aberto o processo de recrutamento, entre seus funcionários, para uma vaga que acaba de surgir. Na disputa, é claro, a prata da casa. Assim acontece quando uma multinacional como a Unilever adota um tipo de seleção de pessoal que não pára de crescer no Brasil, em todos os setores de atividade: o recrutamento interno.

O sistema, dizem consultores, é uma maneira de recrutar mais prática e econômica. E uma fonte poderosa de motivação para os empregados.

¿ Na pesquisa de clima organizacional, um dos itens mais apontados pelo funcionários como positivos na empresa é a oportunidade de crescimento interno ¿ diz Cristina Leite Costa, gerente de Desenvolvimento, Captação e Treinamento da Light, informando que, nos últimos dois anos, 50 profissionais da empresa mudaram de posição, depois de se inscreverem no programa de recrutamento interno.

Os procedimentos costumam ser os mesmos de um processo de seleção de novos funcionários: análise de currículo, entrevista e, em alguns casos, dinâmica de grupo e testes. Os funcionários, no entanto, devem ter em mente que o recrutamento interno não descarta a possibilidade de o candidato escolhido ser alguém de fora da empresa. Afinal, fica com o cargo aquele que melhor se encaixa no perfil procurado e, se a empresa não encontra esse profissional no seu quadro, vai buscar lá fora.

Supermercado voltou atrás

Outra vantagem do recrutamento interno para as empresas é aproveitar os investimentos que foram feitos em treinamento de pessoal. É o que diz Ana Cláudia Calil, gerente de Qualidade e Desenvolvimento da Europ Assistance, empresa de assistência emergencial:

¿ Por conta da peculiaridade do nosso serviço, sempre tivemos dificuldade em encontrar profissionais especializados, por isso damos prioridade à qualificação de nosso pessoal. Assim, sempre que temos uma vaga aberta, nós buscamos aqui mesmo pessoas com o perfil desejado.

Em algumas organizações, as promoções automáticas foram totalmente abolidas. Em seu lugar, são feitas seleções internas. Caso da empresa de informática Contmatic Phoenix, explica o diretor-executivo, Mário Hessel:

¿ Um funcionário pode desempenhar muito bem sua função, mas não ter o mesmo rendimento no novo cargo. Por isso, acabamos com a promoção automática. Mas apostamos na seleção interna. Para isso, fazemos uma bateria de testes, tentando minimizar o risco de a pessoa não ter perfil para o novo cargo. Uma troca malsucedida traz dois problemas: uma vaga aberta, antes muito bem ocupada, e outra preenchida por um profissional inadequado.

Mas nem tudo é vantagem quando se prioriza a ocupação de vagas abertas pelos próprios funcionários. Afinal, a empresa perde a oportunidade de trazer olhares diferentes para dentro do negócio. E, convivendo apenas com as situações de sua organização, os funcionários adaptam-se a elas e perdem a capacidade de inovação, destaca Maria Elisa Menezes, diretora da Síntese Consultoria:

¿ Em alguns casos, em funções mais estratégicas, pode ser interessante trazer um profissional de fora. Recentemente, uma rede de supermercados fez um recrutamento interno para um cargo de diretoria, que não deu certo. Foi preciso, depois, recorrer ao mercado. A empresa precisava justamente de alguém com idéias diferentes das que vinham sendo adotadas.

Mas, o diretor de Talentos Humanos da Claro, Jorge Cunha, ressalta ainda uma outra vantagem nos programas de recrutamento interno: eles potencializam todos os instrumentos de gerenciamento de recursos humanos da empresa, como o papel do gestor, a avaliação de desempenho e a avaliação de potencial.

¿ Isso resulta em outra grande vantagem desse sistema: na seleção interna, a empresa já conhece o perfil do profissional, o que não acontece no recrutamento externo.

Cunha lembra, no entanto, que se por um lado a seleção interna é um instrumento motivacional, por outro, na medida que um funcionário será escolhido e outros não, é também frustrante:

¿ Para os profissionais não escolhidos, é preciso destacar que o recrutamento os expõe positivamente. Afinal, mesmo que eles não tenham sido selecionados daquela vez, eles aumentam sua rede de contatos na empresa, que passou a saber de seu interesse.

Seleção feita em 150 países

Josué Cruz, diretor de Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO) da Intelig ¿ na qual 60% das vagas abertas geram uma movimentação interna ¿ observa ainda uma outra questão: a necessidade de dar feedback para aqueles que não foram escolhidos para a vaga disputada.

¿ A empresa corre o risco de criar conflitos internos. Por isso, é importante que ela mostre ao profissional porque ele não foi o escolhido e lhe dê orientações sobre o que ele precisa fazer para crescer.

O recrutamento interno vem mudando os processos de RH das empresas de tal forma que, no caso de multinacionais, até mesmo vagas em outros países são divulgadas. Como no caso da Unilever.

¿ Todos os profissionais de nível gerencial podem se candidatar às oportunidades existentes nos mais de 150 países nos quais a empresa está presente, desde que com autorização de sua chefia. Mas um líder precisa ter um motivo muito forte ou uma proposta muito boa para segurar um funcionário ¿ explica Vera Durante, gerente de Recursos Humanos da Unilever.

Continua na página 3