Título: Vitória do desespero
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/01/2006, O GLOBO, p. 2

O resultado da votação que, se confirmada em segundo turno, porá abaixo a exigência de coligações verticais, foi produzido muito mais pelo desespero dos pequenos e médios partidos diante da plena vigência da cláusula de barreira do que pelas estratégias para a disputa da Presidência. PT e PSDB, pólos da disputa, deram a maioria de seus votos à manutenção da regra, que derrubada, pode aumentar o número de concorrentes.

Dos 16 partidos com representação na Câmara, apenas os quatro maiores ¿ PT, PSDB, PMDB e PFL ¿ não correm o risco de serem rebaixados para a segunda divisão, o que a rigor pode levar à extinção. Os demais entraram em desespero diante da dupla adversidade: enfrentar as exigências da cláusula num pleito em que teriam, por conta da verticalização, pouquíssima liberdade para fazer alianças.

Os quatro grandes, o ¿quarteto não estou nem aí¿, como lhes chama o deputado Raul Jungmann, também se envolveu com a votação. PSDB e PT, contra a emenda, pensando na sucessão. PFL e PMDB, na conservação de seus feudos regionais. Os pequenos e médios, com muito mais empenho, pensando na sobrevivência ameaçada pela cláusula. Os que não obtiverem 5% dos votos nacionais e 2% em pelo menos nove estados perderão não apenas o dinheiro do fundo partidário e o tempo televisivo para a propaganda partidária (punições que já vigoraram em 2002). Agora, perderão o direito ao funcionamento parlamentar: os deputados conservam os mandatos mas o partido não terá líder, nem bancada instituída, nem cargos na Mesa e nas Comissões, sem falar nas mordomias funcionais. Viram uma espécie de ONG. Para sobreviver, alguns talvez acabem se incorporando a outros.

A verticalização, que já existe desde 1982, agravou estas dificuldades. Para estes partidos, obter o maior número de votos, só com muitas e variadas alianças, o que a regra dificulta. Dificultava, porque ainda falta o segundo turno e a palavra do STF. Haverá recurso, o de Miro Teixeira está pronto.

Dê no que der, certo é que a partir do ano que vem teremos no máximo sete partidos funcionando no Congresso. O deputado Alexandre Cardoso, estudioso do assunto que presidiu a comissão da reforma política, tem um cálculo esclarecedor. Avalia, com base no histórico recente, que os quatro grandes vão abocanhar entre 55% e 60% dos votos para a Câmara. Partidos miúdos como PPS, PC do B, PSC, PSD e assemelhados devem, juntos, ficar com 20%, não alcançando porém, isoladamente, os índices exigidos pela cláusula. Num terceiro bloco estariam cinco partidos médios disputando três vagas de ¿sobreviventes¿. São os que têm chance de vencer a barreira: PP, PTB, PL, PSB e PDT. Juntos devem fazer de 20 a 25% do total de votos, uma fatia que se fosse eqüitativamente distribuída garantiria a sobrevivência de todos. Mas não será. Alguns ficarão com 10%, outros com 7% e outros com menos de 5%. Os três que vencerem o obstáculo é que se somam aos quatro grandes para formar a nova grade composta de sete partidos representativos. Mas devem surgir mais dois, produto da incorporação dos miúdos pelos dois do último bloco que não alcançarem a marca exigida.

A cláusula, diz Alexandre, do PSB, carrega uma irracionalidade do sistema, que, sendo presidencialista, leva em conta os votos para a Câmara, não para o Executivo. Mas é ela, e não a verticalização imposta pelo TSE, que aperfeiçoa o sistema. Seu efeito, a médio prazo, será positivo: com um quadro partidário mais enxuto, o Congresso funcionará melhor. Os governos, mesmo não saindo das urnas com maioria, terão mais facilidade para construí-la em bases políticas, livrando-se das chantagens que levam ao varejo, ao balcão e ao mensalão.