Título: BC pode ter de usar o Proer no Banco Santos
Autor: Cleide Carvalho e Eduardo Diniz
Fonte: O Globo, 24/11/2004, Economia, p. 29

O governo Lula pode ter de aplicar no Banco Santos um instrumento cujo uso na gestão Fernando Henrique Cardoso foi ferrenhamente condenado pelos petistas: o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer). As pressões para uma solução que não seja a liquidação pura e simples do banco crescem apesar de não haver indícios de que o sistema financeiro esteja em risco por causa de um banco considerado de porte menor como o Santos, mas o número de empresas e pessoas jurídicas afetadas pela liquidação está se mostrando maior que o estimado inicialmente, aumentando o peso do problema sobre as autoridades.

O Banco Central está analisando os números da instituição e, na sexta-feira passada, reduziu os depósitos compulsórios exigidos de bancos pequenos, afetados indiretamente pela liquidação do Santos, para reforçar a liquidez dessas instituições e evitar qualquer problema, numa medida muito elogiada pelo mercado e que trouxe tranqüilidade ao setor financeiro.

A ação do BC até agora tem sido vista como muito positiva e agentes de mercado mais experientes consideram que os ¿problemas com o Santos são normais neste tipo de liquidação¿.

Rafael Guedes, diretor-executivo da agência Fitch no Brasil ¿ que divulgou ontem relatório sobre o efeito Santos sobre os bancos brasileiros ¿ se diz tranqüilo e explica que, do ponto de vista de crédito, não encontrou problemas semelhantes ao do Santos em nenhum dos 50 bancos monitorados pela agência.

Os desafios sobre o BC e o governo, no entanto, ganharam complexidade. A auditoria KPMG informou na segunda-feira que está criando um comitê de credores do Banco Santos, atendendo a pedidos de investidores, empresas e grupos de correntistas que dizem ter US$ 100 milhões (considerando-se apenas o número relativo às adesões até sexta-feira) a receber da instituição. Segundo a KPMG, os objetivos do comitê são, em última instância, ¿buscar alternativas para impedir uma eventual liquidação do banco¿.

O uso do Proer está previsto no processo de liquidação, mas fontes do setor financeiro informam que o BC ainda age no sentido de buscar uma solução de mercado, como a ¿compra¿ do Santos por um grande banco. O problema é que nenhuma instituição estaria disposta a injetar recursos próprios na operação.

Na carteira de crédito do banco estão pelo menos R$ 1,395 bilhão de créditos que têm classificação de risco ¿C¿, quatro degraus abaixo do melhor nível, o AA. Na avaliação de analistas do mercado financeiro, trata-se, na verdade, de créditos insolventes. Nos fundos administrados pelo banco estaria também uma parcela de recursos que pode estar lastreada em créditos e papéis da própria instituição.

São cerca de 2.500 clientes com investimentos no Santos. E são justamente eles que tornam a situação do governo petista mais delicada, criando resistências à liquidação pura e simples. E mais: de acordo com informações do mercado, publicadas pelo jornal "Valor", os fundos de renda fixa já teriam perdido cerca de R$ 200 milhões por causa da intervenção. O montante se refere a CDBs do banco que os fundos tinham em carteira e que tiveram seu valor de mercado atualizado para perto de zero. O impacto na rentabilidade de alguns fundos derrubou o ganho médio das carteiras de renda fixa na semana passada para 0,17%, bem abaixo do 0,21% dos fundos DI. Alguns fundos chegaram a perder quase 20% em um só dia. Só do Banco da Amazônia, quatro fundos de investimento com patrimônio total de R$ 115,3 milhões estão bloqueados para resgates, por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Na lista de clientes do Santos estão os grandes fundos de pensão do país, prefeituras e aliados do governo. Até a direção nacional do PT já admitiu que deixou recursos aplicados no banco.

O Santos também era repassador de recursos do BNDES para empresas. Segundo a agência Fitch, ¿um fator de preocupação refere-se ao altíssimo valor de linhas disponibilizadas pelo BNDES ao Banco Santos¿.

O banco de fomento estatal tem o direito, por lei, de cobrar esses empréstimos diretamente das empresas e afirma que todos os recurso repassados pelo Banco Santos às empresas têm garantia.

Isso não quer dizer, no entanto, que o BNDES sairá totalmente sem prejuízo da derrocada do Banco Santos. Parte dos empréstimos feitos pelo BNDES não entrou efetivamente no caixa das empresas. Clientes da instituição, entre eles CCE e Grupo Caoa, estão reclamando que o Banco Santos exigia que 30% do valor emprestado fosse aplicado em fundos indicados pela instituição ou títulos de outras empresas do grupo, durante períodos predeterminados. Agora, prometem ir à Justiça para conseguir o dinheiro de volta para poder pagar o que devem ao BNDES.