Título: DOCUMENTOS RELATAM TORTURA DE PRESOS
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Fonte: O Globo, 22/12/2004, O Mundo, p. 36

FBI descreve abusos em Guantánamo e Abu Ghraib

WASHINGTON. Documentos divulgados nos EUA trazem novos relatos chocantes sobre tortura e maus-tratos de presos por militares americanos nas prisões da base naval de Guantánamo, em Cuba, e de Abu Ghraib, no Iraque. Segundo memorandos do FBI (polícia federal americana) liberados segunda-feira num processo em que o governo é acusado de cumplicidade em tortura, detentos de Guantánamo foram espancados, receberam choques e tiveram cigarros apagados em suas orelhas durante interrogatórios.

Os memorandos foram, na maioria, enviados por agentes do FBI a seus superiores em Washington. Os nomes dos remetentes foram apagados. Os documentos incluem relatos de agentes que dizem ter visto, em Guantánamo, presos mantidos acorrentados em posição fetal por mais de 24 horas, urinando e defecando sobre eles próprios. Um agente conta ter visto um preso quase inconsciente que aparentemente havia arrancado grande parte de seu cabelo.

Num documento de 24 de junho, enviado ao então diretor-geral do FBI, Robert Mueller, e a outros superiores, um agente cita uma testemunha ¿ não identificada ¿ que diz ter visto estrangulamentos e espancamentos, entre outros ¿sérios abusos físicos¿, durante interrogatórios não autorizados no Iraque. E adverte Mueller a tomar conhecimento do que acontecia na prisão, devido ao ¿potencial e significativo interesse do público, da mídia e do Congresso¿.

Casa Branca diz que Bush espera esclarecimento em investigação

O Pentágono se limitou a informar que as denúncias estão sendo investigadas. Já o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan, afirmou:

¿ O presidente (George W. Bush) espera que todas as acusações sejam levadas a sério, que se realize uma investigação e que se tomem medidas para garantir que esses abusos não se repitam.

Os memorandos foram divulgados numa ação judicial da Associação de Liberdades Civis Americana e de outros grupos que pretendem determinar a extensão da participação americana nos maus-tratos de prisioneiros. Os EUA mantêm em Guantánamo cerca de 550 prisioneiros, muitos deles da guerra no Afeganistão e do combate ao terrorismo. No Iraque, a prisão de Abu Ghraib ficou conhecida com a divulgação na imprensa americana de fotos que mostravam militares americanos maltratando iraquianos.

Num memorando de 29 de julho passado, um agente afirma sobre Guantánamo: ¿Em algumas ocasiões, entrei em salas de entrevistas e encontrei um detido acorrentado pela mão e pelo pé, numa posição fetal sobre o chão, sem cadeira, alimentos ou água. Na maioria das vezes, (os detidos) haviam urinado e defecado sobre eles próprios e deixados ali por 18, 24 horas, ou mais.¿ O agente conta ainda que certa vez o ar-condicionado estava tão forte que um detido acorrentado tremia de frio. E que em outra ocasião o aparelho fora desligado e a temperatura estava acima de 38 graus numa sala sem ventilação onde um preso estava inconsciente ao lado de um monte de cabelos. Aparentemente, ele próprio arrancara os cabelos, diz o agente.

Um detento embrulhado em bandeira israelense

Agentes contam também terem visto em Guantánamo cachorros sendo usados para intimidar detentos ¿ o que até então só fora relatado em Abu Ghraib. Afirmam ainda que um preso foi embrulhado numa bandeira israelense e obrigado a ouvir música em alto volume, numa aparente tentativa de resistir menos ao interrogatório.

Num documento previamente divulgado, de 5 de dezembro, um agente do FBI chamava atenção para o fato de que abusos e maus-tratos não haviam levado a qualquer informação que pudesse ajudar a evitar um ataque. Dizia ainda que técnicas duras de interrogação acabariam com as chances de processar prisioneiros, porque significariam que as provas contra ele teriam sido obtidas sob coação.