Título: O amor é lindo
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 17/01/2005, O País, p. 4

Não é por nada não, mas, em dois anos, bem que o PT podia ter aprendido. Em matéria de esperteza política, porém, ainda é criancinha de jardim de infância. Só assim se explica o desgaste e a perda de tempo do governo com um tema que devia estar superado, vencido, transitado em julgado, como a eleição na Câmara. Enquanto isso, o velho PMDB, rei da malandragem, nada de braçada.

Qual era mesmo o partido que há um mês parecia à beira da destruição, aniquilado por uma divisão interna que fragilizava seus principais caciques e ameaçava a estabilidade da base governista? Pois é, quem te viu, quem te vê. Os peemedebistas juntaram seus cacos e agora se preparam para abocanhar ministérios melhores, postos no segundo escalão e a presidência do Senado sem contestações. Lula está abrindo a temporada da reforma ministerial pelas conversas com caciques do PMDB, indicando que um dos principais pilares da mexida será a melhoria das posições do partido na Esplanada. Enquanto tudo isso acontece, cadê os petistas? Ocupados demais brigando entre si.

Quem conhece os peemedebistas sabe que os muitos anos na universidade do poder, dando nó em pingo d'água, os ensinaram a encostar governos que nunca foram seus na parede e tirar, como ninguém, partido de brigas e divisões internas para ganhar espaço e favores. É óbvio que não se pode, e nem se deve, cobrar semelhante desempenho do PT. Até porque sua chegada ao poder, pelo voto, não deixou de ser forte indicação do cansaço do eleitorado com velhos métodos e partidos como o PMDB. Ainda bem.

Mas também deve ter limites a falta de bom senso, e principalmente aquela conhecida capacidade dos petistas de transformar limonada pronta em limão. O posto de presidente da Câmara, terceiro na hierarquia da República, cabe à maior bancada na Casa pelo critério da proporcionalidade. É do PT e ponto. Nenhum partido, nem mesmo o PSDB e o PFL, está contestando o critério. Oposicionistas e aliados que estão botando as manguinhas de fora só o fazem para aproveitar o flanco aberto pela falta de firmeza nas tropas governistas, que deu sobrevida inusitada à candidatura Virgílio Guimarães.

De frágil flor do recesso ¿ fatos políticos que ocupam mais tempo, espaço, tinta e papel do que deveriam porque preenchem o vazio das férias parlamen- tares ¿ esta cresceu, criou espinhos, alastrou-se mata adentro e fez nascer ervas daninhas no jardim do candidato oficial do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh.

Virgílio terá tido suas razões para mágoa, sua candidatura foi adubada por egos e vaidades paulistas e por um festival de má-articulação que começou lá atrás, com a insistência na tese da reeleição no Congresso. Interlocutores do presidente Lula atestam que ele ficou simplesmente perplexo com o rumo que as coisas tomaram. Não importa mais, porém, chorar o leite derramado, até porque o Planalto aguarda a desistência de Virgílio para as próximas horas.

A questão agora é avaliar o estrago feito, e não só na candidatura de Greenhalgh ¿ que, sem nenhuma dúvida, será mesmo o presidente da Câmara. Nesse meio tempo, porém, adiou-se desnecessariamente a reforma ministerial que Lula pretendia deslanchar esta semana, encareceu-se o apoio de partidos aliados ao candidato oficial, desgastou-se o PT e o próprio presidente da República. Sobretudo em episódios como as conversas com Virgílio no terceiro andar do Planalto, de onde o deputado saía com a mesmíssima posição. No mínimo, dir-se-á que o presidente não é tão bom assim de convencimento.

Sem contar que, mais uma vez, foram expostas em praça pública as fragilidades e rivalidades internas do PT ¿ sobretudo a brigalhada paulista que vai tirar o sossego de Lula até 2006. A presidência da Câmara foi o primeiro round entre João Paulo, Marta, Mercadante e outros.

Enquanto isso, os ex-gladiadores do PMDB distribuem flores entre si. Sarney e Renan, adversários há poucas semanas por conta da reeleição no Senado, fizeram as pazes. Uma mão lava a outra. Sarney levou o colega ao Planalto para comunicar a Lula que quer ser por ele sucedido. Renan, por sua vez, declarou ao presidente o que anda dizendo a cada passo: há um movimento ¿suprapartidário¿ em favor de Roseana Sarney no Ministério. E até os barulhentos oposicionistas que querem levar o PMDB para a oposição andam estranhamente calados. Uns cargos na Mesa, da Câmara, outros no segundo escalão, e todo mundo sai feliz da vida...

O amor é lindo. Só o PT é que não sabe disso.