Título: Vinte anos depois
Autor: AÉCIO NEVES
Fonte: O Globo, 17/01/2005, Opinião, p. 7

"Não há pátria onde falta democracia.¿ No dia 15 de janeiro de 1985 esse veredicto marcou definitivamente o fim de vinte anos do ciclo militar no Brasil e encerrou o regime autoritário imposto em março de 64. O autor, Tancredo de Almeida Neves, fazia, naquele momento, o seu primeiro pronunciamento como presidente eleito do Brasil, após a intensa peregrinação pelas Diretas-Já e a vitória no Colégio Eleitoral.

Naquele momento, Tancredo e milhares de brasileiros comemoravam o renascimento da democracia no país. Ciente de que estava assumindo a mais alta e difícil responsabilidade da sua vida pública, que era governar o seu país, ele reafirmou o compromisso de resgatar uma aspiração que havia sustentado a esperança do povo brasileiro no longo e obscuro período de exceção: ¿Venho para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas, indispensáveis ao bem-estar do povo brasileiro¿, afirmou.

Não quis o destino que Tancredo Neves assumisse a Presidência da República, mas parte importante do seu legado e dos seus compromissos nunca se perdeu e vem guiando a muitos de nós que assumimos responsabilidades na vida pública do nosso país.

Avançamos muito nos últimos 20 anos. O fortalecimento das instituições democráticas é uma conquista inegável. Passamos por quatro eleições diretas para a escolha do presidente da República e, um dado fundamental, está plenamente assegurada a alternância do poder no país, dentro da mais absoluta normalidade. É preciso relembrar, particularmente para as novas gerações, que esta liberdade começou a tomar forma mais nítida com a mobilização pelas Diretas-Já e se consolidou com a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Somos também hoje uma nação mais transparente. Os atos do Executivo são amplamente fiscalizados pelo Congresso, pelo Ministério Público, pelo chamado terceiro setor, enfim, pela sociedade civil organizada. Temos uma imprensa livre e vigorosa, sem a qual não existe um regime verdadeiramente democrático. Temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, outra conquista que pune os maus administradores dos recursos públicos. Enfim, somos hoje uma das maiores democracias do mundo.

Resta-nos, agora, o grande desafio da transformação no campo social. As mudanças sonhadas por Tancredo Neves e por todos os democratas da sua geração ainda seguem como uma referência da pátria que continuamos a sonhar, mas que ainda não se fez, na prática, realidade conquistada. Embora muitos passos adiante tenham sido dados ainda somos, infelizmente, o país da exclusão, da concentração de renda, de altas taxas de desemprego, da grande violência urbana.

Inspirados na generosidade daquela geração que teve clareza sobre os interesses prioritários da nação cumpre-nos, agora, o dever de construir uma nova travessia na direção da pátria justa e humana, da pátria sonhada. A pátria que só poderá ser construída acima das paixões, das ideologias, dos interesses de grupos e de conjecturas menores, que desaparecem quando contrapostas à dimensão do desafio coletivo, que é urgente. O resgate dessa imensa dívida social que o Brasil tem para com milhares de brasileiros excluídos deveria ser, precisa ser, aquele vértice onde todos estaremos juntos, caminhando em uma mesma direção. Somando forças e dividindo responsabilidades. É como apontou Tancredo, 20 anos atrás, no dia em que foi eleito presidente da República: ¿Não há um só de nós que pode ser dispensado desta convocação.¿