Título: SEGREDOS E TRAIÇÕES
Autor: SÉRGIO CABRAL FILHO
Fonte: O Globo, 29/01/2005, Opinião, p. 7

A sucessão na presidência da Câmara dos Deputados obriga a um aprofundamento da reflexão sobre um dos pontos mais importantes da reforma política, que diz respeito ao voto secreto do parlamentar. A eleição da Câmara conta hoje com quatro candidatos, havendo por parte de todos uma enorme desconfiança em relação ao voto de cada deputado.

Um dos elementos a tornar a situação ainda mais difícil sob o ponto de vista político é o fato de a eleição para presidente da Câmara dos Deputados se dar por meio de voto secreto. Hoje o parlamentar vota secreto na eleição para a mesa diretora das Casas Legislativas, nos processos de cassação de mandato de parlamentares, na confirmação das indicações do Poder Executivo para determinados cargos referidos na Constituição da República, e na deliberação sobre veto do Poder Executivo a projeto aprovado no Poder Legislativo.

É inadmissível, em pleno século XXI, que o parlamentar não tenha de prestar contas ao eleitorado da sua posição política em relação a matérias tão importantes. A atitude de um parlamentar diante de um processo de cassação de um deputado, por exemplo, pode ser elemento fundamental para o eleitor decidir, nas eleições seguintes, se manterá aquele parlamentar como seu representante.

Além disso, estamos em um momento de evolução das nossas práticas políticas, em que os partidos têm de ser valorizados. O voto secreto é o campo fértil para que dele brotem casos e mais casos de traição, pois o clima geral de desconfiança põe injustamente sob suspeita até mesmo os parlamentares que seguiram as indicações dos seus partidos.

O principal argumento apresentado pelos defensores do voto secreto é o de que se trata de um instrumento de defesa do parlamentar contra a pressão do Poder Executivo. Tal visão é anacrônica porque o sistema do voto secreto efetivamente foi criado para proteger o parlamentar da pressão e do abuso de poder do Executivo. Isso, porém, há séculos, em sistemas políticos completamente diversos do atual, em que não imperava a democracia e efetivamente o Executivo tinha instrumentos para perseguir e punir o parlamentar que não seguisse a sua orientação, o que hoje não se justifica mais, porque o sistema democrático o protege de qualquer abuso do Executivo.

O argumento do voto secreto como elemento fundamental para a independência do Parlamento também não é hoje adequado, porque não se concebe mais o exercício do poder político sem os partidos, e o voto secreto do parlamentar é um elemento de enfraquecimento da influência e o controle que os partidos devem exercer sobre os atos dos seus filiados. A independência que o voto secreto dá não é hoje mais do Poder Legislativo em relação aos demais poderes, mas sim dos parlamentares em relação aos seus próprios eleitores.

Por essa razão apresentei no Senado Federal a proposta de emenda à Constituição nº 38, de 2004, que ¿altera os arts. 52, 55 e 66 da Constituição federal, para estabelecer o voto aberto nos casos em que menciona, terminando com o voto secreto do parlamentar¿. Tivesse sido aprovada, não estaria a nação assistindo, perplexa, ao espetáculo de desconfianças e traições que hoje ocorre na Câmara dos Deputados. O voto secreto somente pode pertencer ao eleitor originário, aquele que escolhe o seu representante, e que tem o direito de saber como esse representante se porta em todo e qualquer ato que pratique no exercício do mandato que lhe foi conferido.