Título: DIVISÕES AMEAÇAM TONY BLAIR E JACQUES CHIRAC
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Fonte: O Globo, 19/02/2005, O Mundo, p. 27

Num país que em termos históricos ainda é um recente ex-império e cujos habitantes ainda pensam viver num continente à parte, não é surpreendente que haja divisões na questão da Constituição européia. Sem falar que, além de ter sido o último dos grandes países a entrar na União Européia (UE), o Reino Unido ainda não aderiu ao euro. Nas últimas semanas, porém, pesquisas de opinião registram um aumento no número de britânicos favoráveis à ratificação de documento cujos opositores anunciam ser a entrega de soberania a um super-Estado dominado por franceses e alemães.

Os números do instituto YouGov animaram a turma em busca do ¿sim¿, pois a diferença entre os que aprovam e desaprovam o acordo ficou em apenas dois pontos percentuais (41% a 39%), depois de bater na casa dos 25 pontos em novembro. Não que o premier Tony Blair possa respirar aliviado, já que a turma do ¿não¿ conta com aliados poderosos, como o magnata das comunicações Rupert Murdoch, que usa veículos como o ¿Sun¿, o jornal britânico de maior circulação, para torpedear as intenções de Blair & Cia.

Por mais que haja trabalho a fazer, porém, Blair e o Partido Trabalhista contam com uma mudança nos conservadores, que têm sido forçados a bater bem mais levemente na tecla européia para evitar desastres com a previsão de fragmentação do Reino Unido em 1997, diante da proposta da devolução de poder a Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, que ajudou o partido a fracassar nas eleições de 2001.

França pode rejeitar

Mas o premier está longe de sentir confortável, tanto é que o governo se recusa a anunciar a data do referendo. A pista mais recente foi dada pelo chanceler Jack Straw, que insinuou a realização de um plebiscito em março de 2006. Embora Blair deva ser reeleito nas eleições gerais deste ano, ele anda com a popularidade em baixa desde a invasão do Iraque. Sabe que um ¿não¿ britânico à Constituição fará mais do que derrubar o projeto. Ele mesmo poderá ir ao chão.

A situação também não é confortável para Jacques Chirac. A França está cada vez mais dividida e o próprio governo admite nos bastidores o risco de uma rejeição popular ao tratado. O teste virá no referendo que será organizado até junho. Um ¿não¿ dos franceses teria o efeito de uma bomba não só para o governo de direita de Chirac, que entrou pesado na campanha, mas também para boa parte da esquerda.

A França não apenas inspirou como foi a grande defensora no pós-guerra de uma Europa unida. Uma Europa que o país sempre sonhou em liderar. Basta um detalhe: o texto da Constituição foi negociado e redigido sob a liderança do ex-presidente Valery Giscard d¿Estaing.

Como disse o secretário-geral do Partido Socialista, François Hollande, vigoroso defensor do ¿sim¿, aos jornalistas estrangeiros:

¿- Um ¿não¿ francês não é a mesma coisa que um ¿não¿ inglês. Um ¿não¿ inglês seria lamentável, mas ficaria entendido como uma separação da Europa. Mas imagina-se a crise que um ¿não¿ francês vai causar na Europa ¿- disse, frisando que a França é fundadora do bloco.

Chirac e o premier Jean-Pierre Raffarin podem decidir neste fim de semana a data do referendo, numa escolha que está provocando enorme debate. Raffarin acha que quanto mais cedo, melhor. Mas segundo o ¿Le Monde¿, conselheiros de Chirac acham que a turma do ¿não¿ está forte e que antecipar a data do referendo não vai fazer diferença. Uma pesquisa do instituto Ifop para o ¿Journal du Dimanche¿ indicou que 25% dos franceses são partidários do ¿sim¿, 20% optariam pelo ¿não¿ e 46% estão indecisos.

Os partidos políticos estão divididos. Não escapa nem mesmo a maioria que sustenta o governo, a União para um Movimento Popular. À direita, a campanha dos opositores é liderada por Philippe de Villiers, velho defensor de uma França soberana. No Partido Socialista, a vitória dos partidários do ¿sim¿ numa votação interna não calou o grupo do ¿não¿. Os comunistas rejeitam o tratado, os verdes estão divididos. Para complicar, misturou-se à controvérsia sobre a Constituição o debate sobre a eventual adesão da Turquia muçulmana à UE, hipótese que a maioria dos franceses não quer que se concretize.