Título: AJUDA SEVERINA
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2005, Panorama Político, p. 2

O presidente Lula ainda pode vir a ser muito grato ao deputado Severino Cavalcanti. Deixando o PT e o governo tontos como cachorros que caíram do caminhão de mudança (definição de um petista logo depois do desastre), o azarão vitorioso na disputa pela presidência da Câmara oferece-lhe a chance de refundar seu governo e boa desculpa para contrariar muita gente.

Se Lula decidir optar por substituir agora todos os ministros que serão candidatos em 2006, a reforma ministerial será amplíssima, abrindo uma rica possibilidade de oxigenação e renovação do governo, livrando-o de tudo que funciona mal ou está fora do lugar. Partidos, inclusive.

Mas ninguém espere qualquer movimento de Lula esta semana em matéria de reforma ministerial. Ele tirou-a para refletir e assimilar a nova realidade política criada pela eleição na Câmara. Teve ímpetos contra os cavadores da derrota, contra os que se omitiram e contra os que, depois do incêndio, ainda estão soprando as brasas. Acusadores, em geral. Mas ele mesmo pediu gelo para a cabeça quente e só na outra semana terá mais claro o que fazer, por onde começar. Mas convencido de que, para dar a volta por cima, terá de quebrar alguns ovos.

Se pedir a saída dos que têm planos eleitorais para 2006, acabará mexendo até em ministros de desempenho satisfatório. Mas terá também a chance de se livrar dos que o incomodam mas querem ficar nos cargos até mais perto do prazo legal para desincompatibilização, em abril de 2006.

Com a economia indo bem, e o desempenho operacional do governo de forma geral satisfatório, o problema está na gestão política, como sabem até as crianças. As mudanças no governo passam, portanto, pelo redesenho da coalizão de apoio partidário.

Ficou provado que de nada vale ao governo ter uma base tão ampla mas tão infiel, ouve-se no Palácio. Um esboço passa pela construção de um bloco menor porém mais coeso. A construção de um bloco, ainda que informal, entre o PT e os partidos de esquerda (PSB, PCdoB, PDT e PV), resultaria em um núcleo de 140 deputados, que chegaria aos 200 com o PL, o partido do centro que foi mais leal ao governo na eleição do presidente da Câmara. Com o PTB será preciso ter uma conversa séria. O índice de defecções foi altíssimo, no segundo turno principalmente. O PP já não está interessado em ministério, quer ficar livre para fazer seu jogo em 2006. Que faça. Restaria ao governo manter uma boa relação com Severino Cavalcanti, o que não será difícil. Ele e Lula falam a mesma língua e não têm interesse na animosidade.

Com esta base menor e mais coesa, o governo continuará precisando de algum complemento de votos. Mas saberá pelo menos com quem pode contar. O PMDB, que tanto aprontou no pico da crise, pode acabar entregue a seus próprios conflitos, ressalvado o governismo inercial.

Jogar ao mar alguns aliados pode ser necessário, mas terá também Lula a oportunidade de subjugar o PT às necessidades políticas do governo. Se não fizer isso agora que o partido está de crista baixa pelos erros que cometeu, não o fará nunca. Isso vale tanto para o Ministério como para as alianças eleitorais em 2006. Se o PT quiser novamente ter candidatos próprios em todos os estados, não terá aprendido nada com a eleição municipal nem com a queda que acaba de sofrer na Câmara.

E, por fim, o velho problema da coordenação política. O PT e alguns aliados (de fato) pedem Dirceu. Lula continua querendo manter Aldo Rebelo.